“Tiktokização” no mundo musical: Como se dá a influência das mídias sociais na produção musical
Como o encontro entre o mundo digital e musical criou impactos na produção de novos sons, na monetização e na divulgação artística
Por Enzo Gomes Favero e Maria Julia Blanes
Desde o lançamento em 2016, a plataforma chinesa considerada a número um pela Brand Finance em 2024 TikTok, teve grande impacto nas mais diferentes esferas sociais. A música não saiu ilesa dessas mudanças. Produtores musicais, músicos profissionais e influenciadores têm tentado entender as perspectivas dessa interferência na divulgação do seu trabalho. Isso porque músicas de apenas um minuto e meio começaram a se tornar mais comuns nos últimos anos, assim como letras mais simplificadas e repetitivas também conseguiram cair no gosto dos ouvintesde estilos brasileiros. Funk, sertanejo e pagode se renderam aos formatos das plataformas de dancinha e entraram para as trends.
Mas afinal, como a produção musical reagiu a uma mudança tão repentina na estrutura do seu trabalho?
IMPULSIONAMENTO DA DESCOBERTA DE MÚSICAS
A aproximação de empresas de vídeos curtos como o TikTok no mundo da música fez com que usuários da plataforma ampliassem seu acesso à evidenciação de lançamentos. De acordo com o estudo publicado pelo próprio aplicativo, feito pela Luminate entre 1º de julho de 2022 e 30 de junho de 2023, os usuários do TikTok são mais propensos a descobrir e compartilhar novos conteúdos musicais.
Atualmente, no Brasil, cada vez mais a proximidade de artistas independentes com a plataforma tem se tornado algo inevitável. As vastas possibilidades de explorar as maneiras de divulgação do próprio trabalho é um atrativo para jovens cantores que se aproximam da nova maneira de produzir música dentro dos moldes tiktokianos. No entanto, ainda existem novos músicos que evitam a “modinha” dentro das mídias sociais e buscam a realização de um trabalho que não visa a velocidade ou a demanda dos ouvintes, mas sim a espontaneidade de fazer aquilo que se ama. É o caso da jovem cantora Hadassa Mazarão.
A atriz e cantora, Hadassa Mazarão (17) se tornou uma grande influenciadora dentro das plataformas TikTok e Instagram, em que contabiliza mais de 1 milhão de seguidores nas duas contas e comenta como começou a sua investida nas postagens de vídeos artísticos. “Eu comecei no TikTok em 2020 e não postava vídeos cantando […] comecei com 100 seguidores e eu achava o máximo” a garota comentou. “Quando comecei a fazer algo que agradasse mais o público do que a mim, isso me deixou um pouco desanimada e logo parei”. Ela também falou um pouco sobre a influência de tentar atingir um público específico dentro do nicho em que estava, algo que não a satisfazia e a fazia sentir que seus vídeos não estavam espontâneos e naturais como antes.
Além do seu início dentro do TikTok, Hadassa revelou a descoberta do público-ouvinte de seu conteúdo e a maneira como foi recebida pelos seguidores. “Não foi algo específico de começar a gravar para um público-alvo, acho que o público me encontrou”. A artista acredita que existe maior facilidade da entrega do conteúdo produzido por ela nas plataformas digitais para os usuários quando existe um grupo com interesses em comum.
O TikTok tem um impacto no campo musical que vai além de sua popularidade e alcance, já que as tendências musicais são influenciadas diretamente pela plataforma, que molda o som e o estilo das produções atuais, a maioria das músicas que fazem sucesso na plataforma são canções curtas, letras simplificadas e ritmos animados. Como resultado, artistas e produtores do TikTok estão mudando suas obras para atender às preferências e gostos do público. “Às vezes é algo robótico, programado. A gente vê muito artista grande que está tentando se adequar a essa nova moda […] tentando fazer uma ponte com uma música \”, comenta Mazarão. A jovem também opina que a produção de músicas atuais está mais voltada para o impulsionamento nas redes do que para a essência artística.
MONETIZAÇÃO NAS PLATAFORMAS DE MÚSICAS E A PRODUÇÃO EM ALTA VELOCIDADE

Foto de estúdio de música – disponível em Pixabay
As produções musicais se limitam a uma “receita de bolo” e as famosas “músicas chicletes” facilitam o processo de memorização dos ouvintes, os quais passaram a receber uma gigantesca leva de canções, impulsionadas pelo algoritmo, fáceis de memorizar. Com isso, as mídias sociais são mais do que apenas uma plataforma de entretenimento; é um verdadeiro catalisador de descobertas musicais, que redefine a maneira como os ouvintes encontram, interagem e se apaixonam por novas músicas. Para muitos artistas, compreender e aproveitar esse fenômeno é fundamental para se destacar no cenário musical contemporâneo.
Apesar da grande vitrine que é aberta aos artistas,uma sequela vem se tornando cada vez mais comum nesse mundo: a monetização.
Embora o TikTok promova a música, a monetização direta é limitada. A maior parte dos lucros vem do aumento de streams em plataformas como Spotify, onde os músicos recebem em média apenas US$ 0,0038 por acesso, segundo a Union of Musicians and Allied Workers. Mesmo com milhões de streams, o retorno financeiro é baixo, forçando muitos artistas a buscarem outras formas de renda. Um dos casos mais emblemáticos foi quando o cantor Ivan Lins, 78 anos, em entrevista ao programa \”Provoca\” , apresentado por Marcelo Tás, afirmou que precisou voltar para a psicóloga ao passar por essas dificuldades financeiras e que a única alternativa de renda são os palcos.
Para muitos músicos, a pressão de produzir continuamente novos conteúdos, a fim de permanecer relevantes nas mídias sociais, faz com que haja um desgaste mental e dependência financeira nas apresentações de shows ao vivo. Os artistas precisam se adaptar a esse novo cenário para poder operar com sucesso no mercado musical contemporâneo, mantendo um equilíbrio entre criatividade e presença digital. Nesse sentido, os produtores musicais desempenham um papel crucial, já que sua função gira em torno de analisar essas tendências, na tentativa de maximizar o alcance de “hits”. Essa obrigação muitas vezes é uma pressão para o produtor, devido a limitação de sua capacidade criativa, que muitas vezes se veem obrigados a seguir essas fórmulas para abranger uma maior parcela do público.
“Hoje em dia existe muito conteúdo que é entregue em pouquíssimo tempo para o público e ele não é capaz de absorver tudo. Então você precisa escolher aquilo que quer escutar, em qual show quer ir, acho que é tudo muito e tudo extremo. Existe uma lei de mercado que é oferta e demanda, e hoje existe muita oferta de música e pouca demanda para consumir essa oferta” disse o produtor musical Dunga, que trabalha atualmente com mídias de grande massa.
A CONEXÃO ENTRE ARTISTAS E CONSUMIDORES:
O TikTok revolucionou a conexão entre consumidores e artistas, permitindo uma visibilidade sem precedentes. Artistas emergentes podem ver suas músicas viralizarem e alcançarem milhões de usuários em pouco tempo, criando um vínculo mais próximo com os fãs.
“Hoje, ao meu ver, as redes sociais funcionam como um release para o músico, né? Podemos falar de uns 15 anos atrás, você teria que fazer um release apontando a sua formação, com quem você já tocou, o que você fez, que experiência que você tem… Enfim, tudo. Hoje esse \’release\’ acaba sendo meio virtual e as redes sociais, eu acho, que acabam sendo quase que um LinkedIn do músico, de uma maneira geral”, diz Leo Baeta, baterista formado em música pela Souza Lima.
O ciclo contínuo de produção de conteúdo resulta em um desgaste entre os artistas e os ouvintes, ao passo que essas trocas ficaram midiáticas e intensas. Desse modo, os consumidores de música não estão mais dispostos a permanecer fiéis ao mesmo artista devido à proliferação incessantemente de novos conteúdos. A busca incessante por novidades e a rápida saturação de conteúdo tornam difícil para os músicos manterem a atenção e o interesse do público por longos períodos.
Como prova, a Impakter publicou um estudo, o qual indica que a popularidade de vídeos curtos, como os do TikTok, está ligada à redução da capacidade de atenção das pessoas. Entre 2010 e 2015, por exemplo, a atenção média das pessoas caiu de 12 para 8 segundos, diminuindo ainda mais com a ascensão das redes sociais. Luciano Douglas, ex radialista musical e dono de mais de 2000 discos complementa: “sem dúvida as redes sociais propiciaram um alcance inimaginável, que você nunca imaginou na vida, esse é o lado positivo. Assim como te possibilita resgatar coisas obscuras e escondidas, ao mesmo tempo tem um lado ruim. Hoje ninguém tem paciência para ouvir um disco inteiro. Então tudo tem seus prós e contras”.
A influência da plataforma TikTok cria caminhos para opiniões divergentes e possibilidades diferentes para caminhos dentro das carreiras musicais de cada artista, assim como a midiatização cultural exige que o mundo da produção musical atenda o público e a sua demanda no tempo exigido.
