“Sem jornalismo, o mundo fica mudo”: 7 de abril e a impunidade de crimes contra jornalistas

“Sem jornalismo, o mundo fica mudo”: 7 de abril e a impunidade de crimes contra jornalistas

Em meio a guerras, conflitos e ameaças à liberdade de Imprensa, 2024 é um dos anos mais mortais para profissionais da mídia ao redor do mundo e o Brasil não escapa

Por Mariana Lumy

O DIA DO JORNALISTA

O Dia do Jornalista é, desde que estabelecido em 1932 pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), comemorado hoje, dia 7 de abril, homenageando as atuações do Jornalista Giovanni Battista Líbero Badaró. Mas não se engane, Líbero Badaró nem estava vivo no dia de comemoração. A história por trás da data é ainda mais profunda e o caso é considerado pela Comunicação como o primeiro assassinato impune de um jornalista, quando em 22 de novembro de 1830 Líbero Badaró foi assassinado.

Líbero Badaró foi um jornalista italiano, crítico do Brasil Império quando ainda D. Pedro I era o monarca no trono. Criador do Observador Constitucional, o profissional escrevia sobre assuntos políticos que frequentemente eram censurados ou encobertos pelo governo da época. Badaró teve uma morte misteriosa, assassinado por sua atividade jornalística opositora e advogando pela liberdade de imprensa.

Na época, com o Primeiro Reinado em crise e com a oposição a D. Pedro I crescendo, o assassinato de um dos maiores críticos da Coroa parecia certo para voltar aos trilhos, mas a reação popular foi justamente o contrário. A revolta com a morte de Giovanni Battista Líbero Badaró foi tanta, que em 7 de abril de 1831, pela pressão da população diante de essa e outras insatisfações do governo regente, o trono foi abdicado, com D. Pedro I entregando a Coroa à D. Pedro II. E Líbero Badaró entrou para a história.

Hoje, a morte de Badaró representa uma série de casos de crimes sem impunidade pela atividade jornalística que estaria por vir. A data 7 de abril mostra um árduo processo de luta e resistência, evidenciando a atuação de muitos profissionais que sofreram com diversas opressões e silenciamentos.

Apesar dessa história parecer distante, afinal, hoje em dia temos a liberdade de imprensa e a monarquia no Brasil não existe há mais de um século, o profissional de comunicação tem estado em mais perigo do que nunca.

O Índice de Impunidade Global mostrou o Brasil como o 11° país com mais assassinatos impunes de profissionais da comunicação. O Balanço da Repórteres Sem Fronteiras constatou o aumento de profissionais desaparecidos, feitos de refém, presos e ataques contra jornalistas. A Federação Internacional dos Jornalistas publicou no relatório denominado “Killed List”, os nomes de mais de 500 profissionais da mídia que foram presos pela profissão, classificando também 2024 como um dos anos mais mortais para profissionais de comunicação.

As listas de mortos são páginas e mais páginas e as histórias incontáveis. Líbero Badaró não é tão distante e a impunidade ainda é existente – quase predominante. O Dia do Jornalista se torna não apenas uma memória, mas cada vez mais uma realidade presente no contexto da atualidade. A informação sempre matou.

Foto: por Petty Officer 3rd Class Kleynia McKnight. Joint Task Force Guantanamo Public Affairs. Disponível em https://www.dvidshub.net

O ÍNDICE DE IMPUNIDADE GLOBAL

O Índice de Impunidade Global é atualizado anualmente pelo Committee to Protect Journalist (Comitê para a Proteção de Jornalistas em português), ou simplesmente CPJ. Em 2024, o documento publicado em outubro apresentou uma lista com os países de maiores números de homicídios não resolvidos de jornalistas e julgados com relação direta com a profissão pelo próprio CPJ. Realizado desde 2008, o Índice de 2024 documenta os casos desde 2014 e totaliza mais de 100 assassinatos nos 13 países que aparecem.

O Índice de Impunidade Global envolve países como o Haiti, que lidera o ranking com sua grande crise que envolve a violência de gangues, um sistema judiciário enfraquecido, pobreza e instabilidade política; Israel (Israel e Territórios Ocupados da Palestina – IOPT), que desde 7 de outubro de 2023 se encontra em guerra com os grupos terroristas Hamas e Hezbollah e ameaça a escalada de tensões no Oriente Médio com o risco de uma guerra total; e a Somália, país em uma terrível guerra civil desde 1991 com o grupo fundamentalista islâmico Al-Shabab no poder.

O Maj. Gen. Simeon Trombitas, vice-comandante geral da Força-Tarefa Conjunta-Haiti, tira um minuto para conversar com um grupo de crianças. Trombitas passou a manhã caminhando por vários campos de pessoas deslocadas internamente para ver como estavam as condições de vida. (Foto do Exército dos EUA por Pvt. Samantha D. Hall/11th PAD), DVIDS. Disponível em https://www.dvidshub.net
Somalis seguram uma faixa em protesto no portão oito da Embaixada dos EUA em Mogadíscio. Elas parecem estar protestando contra a presença das forças da Operação Restore Hope | SPC Michael Halgren (US Department of Defense). Domínio público. Disponível em http://www.commons.wikimedia.org/

Voluntários da ZAKA realizam a identificação de vítimas após o ataque do Hamas a Israel em 2023. | Foto por Spokesperson unit of ZAKA (Licença CC BY-SA 4.0). Disponível em: http://www.commons.wikimedia.org/

A posição do país no Índice é definida pelo número de assassinatos impunes de profissionais do jornalismo em comparação ao percentual da população de cada país, ou seja, os primeiros colocados do ranking não são, necessariamente, os países com mais homicídios. É o exemplo do Haiti, que contabilizou 14 assassinatos de jornalistas (sete desses não resolvidos) e de Israel, que contabilizou o assassinato de 137 jornalistas (sendo 8 não resolvidos). Mesmo com os homicídios sendo quase dez vezes mais presentes por parte de Israel – e até mesmo o número de assassinatos não resolvidos, fator de avaliação no Índice, ser maior – o Haiti ainda sim lidera o Índice de Impunidade Global devido a porcentagem que essas mortes representam na população do país. Também é preciso levar em conta que apenas as nações com cinco ou mais homicídios não resolvidos estão incluídas no índice, então os países da lista não são os únicos casos de impunidade de assassinatos.


O BRASIL

No Índice de Impunidade Global, o Brasil ocupa o 11° lugar com 15 assassinatos, 13 impunes e 1 parcialmente impune, desde 2014, mas desde 1992 o CPJ registra 44 mortes de jornalistas, sendo 13 que não receberam as devidas condenações no país e 25 estão em completa impunidade, ou seja, sem nenhuma punição dos homicídios

BALANÇO DA REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS

Além do levantamento do CPJ, outras organizações levantaram dados sobre as mortes dos profissionais de comunicação, dentre elas, a ONG Repórteres Sem Fronteiras. O balanço da RSF é preocupante. A constatação do aumento de ataques contra jornalistas, sobretudo em zonas de conflitos, o número de prisões e o número de jornalistas reféns e desaparecidos são destaque no levantamento nomeado Balanço 2024 dos jornalistas mortos, presos, feitos reféns e desaparecidos no mundo.

Divulgado no início de dezembro de 2024, o Balanço informa que o ano de 2024 contabilizou o maior registro de óbitos: 54 mortes, sendo dessas 31 em zonas de guerra. O levantamento ainda chama a atenção para os países com altos índices de violência, o Paquistão, com sete mortes; Bangladesh, com cinco; México, também com cinco e Sudão, com quatro; além de 16 mortes na Palestina. A RSF ainda destaca diversos conflitos que trazem preocupação à Organização, como a Birmânia – ou Myanmar -, que enfrenta diversos conflitos étnicos desde sua independência do Reino Unido em 1948 e dos golpes militares, levando à guerra civil em 2021.

Para números gerais, o balanço da RSF indica que, desde 2022, houve um aumento no número de jornalistas que perderam a vida em casos de violência ou crimes relacionados ao trabalho. De 2003 a 2022, a Repórteres Sem Fronteiras também produziu um relatório, relatando o período como “décadas especialmente mortíferas para os que se dedicam a informar” e divulgando o total de mortes nesses vinte anos: 1.668.

Assim como no Índice de Impunidade Global da CPJ, a contagem no Balanço inclui apenas jornalistas para os quais a RSF conseguiu estabelecer de forma conclusiva que foram mortos, presos e/ou detidos devido à sua atividade jornalística. Ela não inclui as pessoas visadas por motivos não relacionados com a sua profissão ou para quem a ligação com o seu trabalho ainda não foi confirmada.

Apesar do Brasil estar fora do balanço da RSF, o jornalista Artur Romeu, diretor do escritório da RSF para a América Latina disse em entrevista à Agência Brasil que “isso, de maneira nenhuma, nos faz considerar que o Brasil é um país seguro para o exercício da imprensa” relembrando os episódios de intimidações e ameaças em ambiente digital. No período de campanha eleitoral para prefeitos e vereadores, por exemplo, foram identificadas mais de 37 mil postagens ofensivas contra jornalistas nas redes sociais, segundo a Agência Brasil.

RELATÓRIO DA FIJ

A Federação Internacional dos Jornalistas, FIJ, também demonstrou preocupação sobre a violência contra a iImprensa. No último Dia Internacional dos Direitos Humanos, 10 de dezembro, a Federação publicou uma lista inicial que documentava 104 casos de homicídio, de profissionais da mídia que atuavam principalmente no Oriente Médio, onde as guerras na Faixa de Gaza e no Líbano ainda acontecem. Até o final de 2024, a FIJ ainda afirmou que esse número subiu para 122 jornalistas e agentes da mídia mortos e afirma que 2024 foi um dos anos mais mortais para profissionais de comunicação.

O relatório anual chamado de “Killed List” (ou Lista Anual de Mortos) ainda traz informações sobre a morte de cada profissional, além de informações como o veículo em que a vítima trabalhava e a profissão. Junto ao Killed List, foi publicada também uma lista referente ao número de profissionais de comunicação em prisões durante 2024: 516, dos quais 81 foram prisões realizadas ano passado e as duas mais antigas documentadas de 2001 em Eritreia, na África.

Sobre as listas, o Secretário Geral da FIJ, Anthony Bellanger diz: “Esses tristes números mostram mais uma vez o quão frágil é a liberdade de Imprensa e o quão arriscado e perigoso é a profissão do jornalista. A necessidade do público pela informação é muito real nos tempos em que regimes autoritários ascendem no mundo”.

OS NÚMEROS

Essas listas, balanços e índices não são os únicos documentos que denunciam a violência contra o profissional da mídia. Muitas outras análises têm sido elaboradas sobre a morte da Mídia, principalmente com a volta de conflitos armados de caráter internacional.

Uma pesquisa publicada no último dia 26 pelo Watson Institute for International and Public Affairs’, chamada Costs of War Projectproject, afirmou que a guerra de Israel em Gaza matou 232 jornalistas – uma média de 13 assassinatos por semana. Esses números seriam maiores do que as mortes de profissionais durante a Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, Guerra do Vietnã, Guerra da Coréias, Guerra na Iugoslávia e o conflito dos Estados Unidos no Afeganistão combinados. “É, simplesmente, o pior conflito para os trabalhadores da Mídia”, afirmou o Costs of War.

A Mídia não é o único grupo de profissionais afetados pela violência de um conflito. “Meu filho era um paramédico. Ele era um voluntário, não era nem pago para fazer o que fazia, ele amava seu trabalho”, disse a mãe de um paramédico voluntário do Comitê Internacional da Cruz e Crescente Vermelho (CICV), encontrado morto na última segunda junto de seis outros profissionais da saúde.

O ataque a voluntários de ajuda humanitária também  é um crime de guerra e mais de 1000 profissionais já foram assassinados durante o conflito entre Israel e Hamas desde 7 de Outubro. Os conflitos armados e de caráter internacional sempre foram perigosos, colocando a vida de todo e qualquer profissional em risco, mas, em meio à crescente da violência e da impunidade, não é difícil pensar que, talvez, esses assassinatos sejam planejados e propositais.

Afinal, os conflitos não deixam de ser uma guerra de narrativas, e ganha quem conseguir contar a história mais alto.

Foto da capa por Petty Officer 3rd Class Kleynia McKnight. Joint Task Force Guantanamo Public Affairs. Disponível em https://www.dvidshub.net
Edição por Lucas Cardamone, Lucas Gines e Maria Clara Dias

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