Rimar: a arte proibida nos vagões
As rimas estão cada vez mais presentes na vida das pessoas que frequentam os transportes sobre trilhos, mas em São Paulo, a prática é proibida
Por Beatriz Felizardo e Isabela Torquato
O rap chegou ao Brasil nos anos 1990 como parte do movimento hip hop e ganhou espaço entre os jovens das periferias de São Paulo. Esses jovens, como o cantor Sabotage e o grupo Racionais MC’s, usavam o gênero musical como ferramenta para retratar suas dificuldades e denunciar injustiças sociais. Com o passar dos anos, o fenômeno das rimas improvisadas se intensificou na capital paulista, indo além da periferia e alcançando os centros, as praças e até mesmo as estações de metrô, criando um ambiente de contradições: ao mesmo tempo que traz entretenimento, também gera incômodos – e polêmicas.
Mesmo com o incômodo, a arte não deixa de ser o “ganha pão” de diversos paulistanos, como o artista Menor R ou, simplesmente, Ryan, de 17 anos. O rapper começou a rimar aos 12 anos, tanto no metrô quanto nas ruas. Para ele, as rimas no metrô não são apenas uma forma de expressão artística, mas também um exercício de autoconhecimento.
“Acho que a maior dificuldade que eu enfrento mesmo é a maneira de ser visto. Por mais que a maioria das pessoas deem atenção, isso é 50/50. Se 50% das pessoas dão atenção, tem outros 50% que estão tendo um dia chato e, às vezes, querendo ou não, acaba respingando no próximo” o rapper relata. Ele também destaca que, apesar dos desafios, as rimas já ajudaram a animar passageiros tristes e a transformar momentos de tensão em sorrisos.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atividades artísticas e culturais têm impacto positivo na saúde mental e física. A música, por exemplo, é conhecida por seus efeitos terapêuticos.
“Cada um interpreta a arte de uma maneira, alguns mais a sério e outros na brincadeira. Mesmo que eu esteja brincando com as pessoas, eu acho que facilmente consigo animar o dia de uma pessoa. Já teve várias vezes que eu vi uma garota chorando no metrô e eu fiz ela ter um ataque de riso, tá ligado? Várias vezes uma pessoa estava com a cara triste, eu comecei a rimar para pessoa e ela começou a rir. Então, acho que influencia sim, pode tirar o sorriso de uma pessoa triste”, conta o jovem.

Imagem de Engin Akyurt por Pixabay
Proibição e regulamentação
Do ponto de vista jurídico, as regras são claras: as empresas que administram os transportes públicos em São Paulo proíbem qualquer tipo de apresentação musical dentro dos vagões. Segundo o advogado e professor Ilmar Muniz, essas restrições têm como objetivo garantir a segurança e o conforto de todos os passageiros.
Em nota à Revista Vulpes, a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) justificou a proibição: “Ainda, permitindo as rimas nos trens, a Companhia não estaria agindo com isonomia, já que demais estilos musicais são igualmente proibidos”. O Metrô preferiu não se pronunciar sobre a questão em específico, mas informou que para dar visibilidade a artistas independentes, dar apoio a diversos estilos de produção musical contemporânea e regularizar as apresentações nas estações, existe o projeto “Música no Metrô”.
Apesar da proibição, rimar nos vagões ainda levanta questões sobre liberdade de expressão e o direito à cultura e lazer. Para Menor R, uma solução possível seria a regulamentação da prática, criando regras claras e promovendo maior diálogo entre artistas e autoridades:
“Eles fazendo a fiscalização de como os guardas se comportam acho que já seria o suficiente. Se eles tivessem certeza que todos os guardas, quando pegam um artista ou um marreteiro [vendedor ambulante], só tiram da estação, que é o trabalho deles, eu acho que já estaria ótimo, de bom serviço. Mas também sou a favor de liberar a arte e os marreteiros também, querendo ou não, é um trabalho. Acho que ajudaria muito”, compartilhou o artista.
As rimas nos vagões continuam representando a criatividade e a expressão cultural de muitos, mas enfrentam o posicionamento firme das empresas de transporte público urbano, que priorizam a segurança e o conforto de todos os passageiros. Como destaca o advogado Ilmar Muniz, o desafio está em encontrar um equilíbrio que contemple a liberdade artística sem comprometer o bem-estar coletivo.