O caminhar do mercado de beleza para pessoas negras
O mundo está, novamente, revendo os seus conceitos sobre diversidade e inclusão, mas será que a onda já chegou ao setor de beleza e cuidados pessoais?
Por Isabela Torquato
O mercado da beleza é uma das indústrias que mais demorou para ampliar os horizontes quando a questão era pluralidade, mas que nos últimos anos passou por uma transformação significativa e impulsionada pela crescente demanda e pelo protagonismo de consumidores (e influenciadores) negros. Apesar de sempre terem sido fundamentais para a indústria cosmética, a comunidade foi historicamente negligenciada pelas grandes marcas.
Hoje, influenciadores, especialistas e empreendedores negros têm alimentado o debate e pressionado o setor a reconhecer a diversidade de tons de pele e tipos de cabelo. Em entrevista exclusiva à Revista Vulpes, a cantora e influenciadora Bea Galhano comentou: “A visibilidade, a gente conseguir ter o mundo nas nossas mãos, foi isso que fez o mercado mudar. A gente consegue sempre falar de uma marca, falar que, talvez, um produto usa a nossa imagem e não é pra gente. Acho que antes da internet, a gente não conseguia se posicionar, dá uma grandeza imensa”.

Créditos: Bea Galhano por Ana Beatriz Ortega
Primeiras referências

Créditos: Reprodução @Louisvuitton
No cenário internacional, a maquiadora e empresária Pat McGrath é um nome incontornável. Com mais de 20 anos de carreira, ela lançou uma marca própria em 2015, trazendo ao mercado sua visão artística marcada por pele iluminada (sim, a pele glow), cores vibrantes e inovação nas passarelas – elementos que ela já usava muito antes de se tornarem tendência. A influência da profissional foi essencial para consolidar a diversidade como um pilar da indústria.
No Brasil, nomes como o de Tássio Santos e Rosangela Silva também têm um papel crucial nessa discussão. O primeiro é jornalista, escritor, consultor e maquiador, responsável por alguns dos lançamentos mais significativos voltados ao público negro e é uma das vozes mais influentes do setor. Ele desenvolveu, por exemplo, a paleta de cores escuras da base em stick da Boca Rosa, que conta com 50 tons no total.
Já Rosangela Silva é co-fundadora da marca “Negra Rosa”. Criada em 2016, a empresa se destaca ao oferecer produtos exclusivamente voltados às necessidades das mulheres negras, incluindo bases formuladas especificamente para atender subtons diversos. A marca também foi fundamental na discussão da acessibilidade e faixa de preços de produtos nacionais.
Bea Galhano também destacou outra figura muito importante da infância das mulheres negras brasileiras, que faz sucesso até hoje: “Acho que de toda pretinha, no começo de tudo, era a Taís Araújo. No começo de tudo mesmo, a minha mãe sempre falava que eu me parecia com ela, às vezes não parecia nada, mas era a única referência que a gente tinha ali, naquele momento, em relação a beleza, porque ela nunca usou maquiagens muito pesadas, então eu conseguia me identificar ali. Foi ela que fez essa trajetória, até do meu cabelo mesmo. Muitas coisas se juntam e acabam nos ajudando a se encontrar.”
Fenty Beauty: um marco

Créditos: Reprodução @fentybeauty
A criação da Fenty Beauty em 2017, por Rihanna, foi um divisor de águas. O lançamento de sua linha de bases, na época, com 40 tonalidades revelou a demanda reprimida de consumidores negros e forçou a indústria a se adaptar. Foi um efeito em cadeia, que chegou até mesmo na Dior. O movimento, combinado a uma das maiores imagens femininas do mundo, representou o início de uma mudança significativa no mercado global: pela primeira vez, pessoas de pele retinta e pessoas albinas puderam encontrar o tom ideal num lançamento só.
“A Fenty foi muito boa como inspiração para mim. Ela trouxe a possibilidade de você poder viver da música e depois se transformar em outra coisa. E movimentou muito, porque pela influência da Rihanna, a história e o contexto, você se sente acolhida pela marca”, compartilhou Bea Galhano.
Racismo cosmético e o dito “universal”

Créditos: pixabay
A onda contra diversidade e inclusão nunca chegou a ir embora. Poucos anos depois da Fenty Beauty, o cenário parece estar retrocedendo, com muitas marcas lançando produtos promovidos como universais, mas que, na prática, não atendem às expectativas, ou voltados majoritariamente para peles claras.
O caso mais recente a levantar essa questão foi o da Mascavo, marca assinada pela maquiadora e influencer Mariana Saad. Na mesma semana do lançamento, Saad e a equipe receberam críticas sobre os preços e as tonalidades de iluminadores, blushes, bronzers e contornos. O produto com mais opções de cores é o blush, com apenas 6, enquanto os outros variam de 2 a 3 tons.
Tássio Santos, em seu livro “Tem Minha Cor? Quando Maquiar se Torna um Ato Político”, explica que a indústria ainda falha em compreender a necessidade de pigmentos variados, como azuis e verdes, para criar bases realmente eficazes para pele negra. Segundo ele, o racismo cosmético se manifesta na negligência das marcas ao formular produtos para consumidores negros, perpetuando padrões de beleza excludentes.
A maquiagem vai além da estética – é uma ferramenta de ascensão e resistência. O mercado de beleza avançou nos últimos anos, mas ainda há um longo caminho a percorrer. A inclusão real exige mais do que campanhas pontuais; é preciso compromisso genuíno com a diversidade. Não é um slogan. As marcas que compreenderem essa necessidade não apenas terão sucesso comercial, mas também ajudarão a redefinir os padrões de beleza e representatividade no Brasil e no mundo, não importa a onda que vier.