Mitomania: a compulsão pela mentira e suas consequências para o convívio em sociedade
Todo dia é primeiro de abril para algumas pessoas
Por Larissa Prais, Maria Clara Marques, Maju Blanes
Mentir é um hábito muito comum entre a maior parte das pessoas. Algumas pessoas mentem para tentar evitar situações constrangedoras, ou até mesmo, desconfortáveis; já outras, mentem para se defender e se sentir em segurança em alguns momentos. No entanto, uma pequena parcela da população mundial sofre com a compulsão pela mentira, na qual elas não conseguem se comunicar sem inventar algo relacionado à própria vida. No dia primeiro de abril comemoramos o Dia da Mentira, mas será que para todos é apenas uma brincadeira?
Nesta edição especial de abril, a Vulpes vai te contar um pouco sobre a Mitomania, e como o comportamento de algumas pessoas podem revelar mais do que apenas uma casualidade.
Mentiras compulsivas e o convívio social
Para qualquer pessoa que sofre com a condição da mitomania, o cotidiano pode ser o mais difícil de lidar, já que a mentira funciona como um vício que tem explicação química e biológica, segundo especialistas. Em conversa com o psiquiatra José Paulo, que trabalha na Unidade de Pronto Atendimento de Santo Amaro, o médico revelou que o processamento da mentira pode ocorrer em diferentes partes do nosso cérebro, juntamente com as funções cognitivas, a percepção, a situação emocional e as memórias.
Ele também explica que a mentira pode ocorrer através de um sistema que estará sempre recarregando a sensação de satisfação, que leva para o indivíduo uma sensação de recompensa. “Os neurotransmissores dopamina e serotonina estão ligados nas sensações de prazer e de recompensa, e na busca dessas sensações podemos ter a formação de um circuito que se retroalimenta em busca de um prazer”, ele completa.
Nesse contexto, o convívio com uma pessoa que está viciada na mentira pode gerar certa repulsa das pessoas em relação àquele que está tentando pôr em prática uma ficção criada na sua cabeça. Essa sensação de incerteza por parte do ambiente social pode gerar a imagem de uma pessoa não confiável e até mesmo uma ameaça para o convívio cotidiano.
Ainda em nosso diálogo, José Paulo explicou as formas de reconhecer uma pessoa que sofre com a condição de mentira compulsória. “Os relatos são congruentes, há uma cronologia, têm exageros. Há alguma inconsistência? Se houver uma verificação, uma comparação dos dados, eles se sustentam se forem confrontados?”, questiona o psiquiatra, que trás à tona todos os indícios que podem ser percebidos em um possível mitômano.
Transtorno ou compulsão?
A mitomania não pode ser considerada um transtorno justamente por não ser uma doença. No Manual de Transtornos Mentais e na Classificação Internacional de Doenças ela não é identificada. Ela se enquadra em uma compulsão por ter uma frequência em inventar histórias se tornando também um hábito, e está diretamente ligada como uma característica do comportamento do transtorno de identidade.
Segundo a psicóloga Marina Bernardo, o Manual de Transtornos Mentais e a Classificação Internacional de Doenças vai sempre estudar cada vez mais sobre a mitomania e procurar entender esse tipo de compulsão. Justamente por causa desses estudos aprofundados, foi descoberto que é possível melhorar essa questão.
Qual a relação da mitomania com a neurociência?
Estudos indicam que certas áreas do cérebro, como o córtex pré-frontal e o sistema límbico, podem exercer um papel na mitomania. Essas regiões estão ligadas na organização de informações sociais, na tomada de decisões e regulação emocional, todas essas funções que podem estar desreguladas em pessoas com mitomania.
A neurociência pode ajudar a entender o que leva à compulsão pela mentira, como desequilíbrios nos neurotransmissores, disfunção em circuitos neurais específicos ou anormalidades na conectividade cerebral.
Mitomania e sua relação com os transtornos
A psicóloga nos diz que não podemos classificar a mitomania como transtorno de personalidade, que no caso já existe um diagnóstico. Mas podemos dizer, com cuidado, que a mitomania faz parte do transtorno de identidade, pois a pessoa que tem mitomania está passando por um momento de fragilidade, angústias e falta de identidade, porque precisam criar um mundo que não é real, fantasiar uma situação.
A mitomania não é feita com o intuito de prejudicar o outro, ou com algum tipo de maldade, por isso não se enquadra em transtornos, mas a psicóloga ressalta que é importante tratar o quanto antes para não desenvolver esses tipos de transtorno.
Como tratar a compulsão de forma a não estereotipar e nem cometer preconceito com quem sofre da mitomania?
É muito difícil para a sociedade ter empatia com pessoas que têm essa compulsão. Segundo a psicóloga, o importante é que essas pessoas tenham amigos ao seu redor para alertá-las e encaminhá-las para um tratamento, visando o seu próprio bem. Por parte de amigos e familiares, é necessário ajudar a pessoa com muito cuidado ao falar, pois ela pode não aceitar que age ou pensa dessa forma.
A dificuldade primordial está relacionada é a pessoa aceitar sua condição, que caracteriza-se pela compulsão em mentir de maneira descontrolada e muitas vezes sem justificativa aparente.
O transtorno impacta negativamente o contexto em todos os sentidos na vida do indivíduo. As mentiras frequentes podem acabar atribuindo para o afastamento de pessoas ao redor da mesma.
A mitomania exerce efeitos degradantes sobre a saúde mental do indivíduo. A compulsão em mentir acaba agregando na pessoa sentimentos de culpa, vergonha e ansiedade, situando-o em um círculo vicioso do qual é difícil escapar.