Você tem medo de comer? Os efeitos do terrorismo nutricional
Crenças sobre alimentos e hábitos alimentares podem nos atormentar diariamente, mas muitas delas não têm fundamento algum: conheça o terrorismo nutricional.
Texto por: Guilherme Marchi, Guilherme Pires, Lucas Cardamone, Maria Clara Dias, Mariana Lumy, Rodrigo G. Bonini
Ouvir comentários sobre a alimentação não é incomum: “Doce faz mal”, “Você tem que cortar o glúten”, “Carne vermelha não é boa pro corpo”. Essas e outras frases são ouvidas no cotidiano dos brasileiros e são camufladas como conselhos de amigos e parentes sobre uma boa saúde nutricional, mas será que elas estão sempre corretas? Na maioria das vezes, a resposta é não! Essas falas podem passar adiante uma prática danosa: o terrorismo nutricional.
O termo foi criado nos anos 2000 pelo pesquisador australiano Gyorgy Scrinis e é desconhecido por muitos: “Terrorismo nutricional” se caracteriza pela disseminação do medo e da desinformação relacionada aos alimentos consumidos, muitas vezes visando influenciar as escolhas alimentares através das redes sociais, com divulgações de informações alarmistas ou exageradas sobre certos alimentos e hábitos alimentares. Essas informações são apresentadas sem base científica e de maneira sensacionalista, ocasionalmente levando a uma série de problemas, incluindo transtornos alimentares.
Entender a influência das redes sociais nesse processo é importante pois, como os jovens passam grande tempo online e são influenciados pelo conteúdo que consomem, comentários das pessoas que não possuem formação no mundo da saúde alimentar acabam tendo impacto nas atitudes do público que as acompanham. Além disso, o próprio ambiente online possui características que podem colaborar para a propagação do terrorismo nutricional, como a comparação de corpos e a divulgação positiva de dietas maléficas para a saúde.

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AS ARMAS DO TERRORISMO NUTRICIONAL
As dietas são, muitas vezes, compartilhadas nas redes sociais como a solução para uma boa alimentação e o emagrecimento, mas nem sempre elas são saudáveis ou levam à perda de peso. Os regimes restritivos, por exemplo, se baseiam na ideia de que ao cortar um certo nutriente, alimento ou então um grupo alimentar, você alcançará uma melhoria na saúde ou no peso. Nathalia Padilha, nutricionista com especialização em Nutrição Comportamental diz que tudo pode se encaixar dentro de uma vida saudável, desde que a pessoa saiba dosar esses alimentos. “Eu não acredito que exista algo que não deva ser consumido de forma nenhuma. Uma balinha, por exemplo, não entrega valor para o nosso organismo em termos de nutrição, mas se aquilo traz uma alegria para a pessoa ou deixa ela menos ansiosa no dia, eu não acredito que seja aquela bala que vai fazer uma grande diferença na vida dela” ela diz.
As dietas de proibição, se não recomendadas por profissionais como um nutricionista ou endocrinologista, podem ser configuradas como terrorismo nutricional, já que são utilizadas como armas para levantar um alarme exagerado sobre certos alimentos e hábitos alimentares. “Tudo que vem como um julgamento sobre o comer ou sobre o comportamento de comer do outro, pode ser taxado como esse terrorismo nutricional” acrescenta Nathalia.
O terrorismo nutricional leva a pessoa a comer menos ou a não comer certos alimentos, a nutricionista completa afirmando que a pressão social de ser magra está interligada com as doenças, os distúrbios, e os transtornos alimentares. A alienação não é a resposta ideal para a solução dessa prática “O que nós, nutricionistas, temos que fazer como parte da nossa formação, é ter mais conhecimento sobre os sentimentos e sobre o que leva uma pessoa a comer. Eu acredito que se a gente lidar com a questão alimentar tendo empatia, o terrorismo nutricional não tem vez.”

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AS VÍTIMAS DO TERRORISMO NUTRICIONAL
Ao disseminar medo e desinformação relacionada aos alimentos consumidos o terrorismo nutricional provoca sérios impactos psicológicos, especialmente em um contexto no qual a aparência e o comportamento alimentar são frequentemente julgados e monitorados. As mensagens alarmistas sobre certos alimentos podem gerar uma relação disfuncional com a comida, levando a um medo irracional de comer e a uma ansiedade constante em relação às escolhas alimentares. Isso resulta em transtornos como a anorexia, a qual o indivíduo vê sua imagem corporal de modo distorcido, e a ortorexia, definida como a obsessão com a qualidade dos alimentos que são ingeridos.
A psicóloga Graziella Jones Mofarrej, com especialização em Transtornos Alimentares pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, afirma: “A sociedade prioriza uma imagem padronizada, baseada no que a cultura entende como padrões ideais. O terrorismo nutricional está intimamente ligado a essa questão da imagem, alimentando cobranças em relação à aparência, especialmente durante a adolescência, quando essas pressões são ainda mais intensas.”
A nutricionista ainda complementa que, em cada 10 pacientes com transtornos alimentares, apenas um é homem, pois “as mulheres são muito mais cobradas socialmente do que os homens, por isso, as meninas enfrentam uma pressão enorme para atender aos padrões de beleza.” Essa constante autocrítica em relação ao corpo pode levar a piora da autoestima, gerando um ciclo vicioso de culpa, vergonha e frustração, que afeta profundamente o bem-estar mental e emocional da vítima.
O consumo desregulado, a falta de atendimento e a angústia constante que fica relacionada ao ato de comer acabam afetando ainda mais o cérebro das pessoas, levando aos distúrbios alimentares. A nutricionista Graziella Mofarrej conclui que “o grande problema dos transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, é que a pessoa afetada frequentemente não se percebe como doente. É fundamental que a família esteja presente e atenta, identificando sinais de problemas e buscando tratamento adequado.”

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O COMBATE AO TERRORISMO NUTRICIONAL
Ao analisar as consequências do terrorismo, fica a dúvida: como se prevenir?
Segundo Nathalia, a resposta está em, ao invés de filtrar aquilo que você come, regular por onde você se informa. “Uma das formas de sermos menos afetados pelo terrorismo é a gente driblar a comunicação que não faz bem a nós. Apesar da gente necessitar sim de um bom monitoramento, […] nós também precisamos assumir esse papel de protagonismo da nossa saúde e escolher se aceitamos essa informação ou não” ela afirma.
Seria, então, fundamental adotar uma abordagem educativa e não restritiva na alimentação das crianças. Uma boa ideia é ensinar sobre as escolhas equilibradas e conscientes e falar sobre educação nutricional ao invés de proibir alimentos, já que quando as crianças entendem os benefícios de uma alimentação variada e equilibrada, são mais propensas a fazer escolhas saudáveis por conta própria, mesmo em situações sociais como festas ou encontros com amigos.
Adotar a prática de “mindful eating”, ou em outras palavras “comer com atenção plena”, também pode ser interessante. Essa prática incentiva as pessoas a comerem mais devagar, focando nas sensações que os alimentos trazem ao corpo, sem distrações como celulares ou TVs, mas evitando consumir algo em excesso e, o mais importante, sem rotular qualquer alimento como bom ou ruim. Assim tudo fica mais fácil de engolir.
Além disso, é importante procurar um profissional da área da nutrição que possa dar dicas sobre alimentação saudável e dietas que fazem bem para a saúde, sempre ressaltando que: nem sempre uma dieta restritiva terá resultados positivos. É preciso ter uma alimentação balanceada e saudável com ajuda profissional. Deve também ser lembrado que nem todas as pessoas encontram o nutricionista ideal na primeira tentativa. Cada profissional tem sua forma de abordar um tema, então a procura até achar o doutor que melhor se encaixe para seu caso específico é extremamente importante.
