Digitalização da infância: impactos do ambiente virtual no crescimento

Digitalização da infância: impactos do ambiente virtual no crescimento

Crianças vidradas em aparelhos tecnologicos deixaram de ser uma novidade faz tempo, mas não tempo o suficiente para descobrir quais as verdadeiras consequências do ato

Escrito por Lucas Cardamone e Mariana Lumy

No atual mundo digitalizado, cada vez mais a tecnologia se torna crucial para a realização de tarefas básicas do cotidiano, como dirigir para qualquer lugar. Para pegar um ônibus, os aplicativos que informam os horários de cada transporte se tornaram indispensáveis, somados ao fone com as mais diversas trilhas sonoras.

Lançado em 1990, o Motorola PT-550 foi o primeiro celular a ser vendido no Brasil. Com a evolução constante da tecnológica, 2009 foi o ano de lançamento do primeiro smartphone, o Motorola DEXT. Desde então, a elaboração de redes sociais, jogos mobile, aplicativos de compras e entretenimento acontecem em níveis constantes, em que cada dia é possível achar um novo aplicativo nas lojas de downloads.

A carteira cedeu espaço às telas, que se tornaram instrumentos fundamentais no dia a dia. Aos poucos, o celular foi ganhando mais importância e mais presença, ao ponto que, hoje, a sensação é de que é possível usar esse aparelho para qualquer coisa. O celular está presente em (quase) todos os minutos do nosso dia e nem mesmo as crianças saem imunes dessa tecnologia sedutora.

A convivência das crianças com esses aparelhos eletrônicos tem ficado cada vez mais frequente. Tanto pela democratização gradual de modelos mais simples, quanto pela dependência para os afazeres do cotidiano, não é estranho que as pequenas crianças comecem a utilizar os celulares cada vez mais jovens.

Mesmo sendo uma cena comum, não quer dizer que o uso de telas pelas crianças é algo que deva ser simplesmente aceito sem considerações.

Jamily Mourad, psicóloga clínica graduada pela FAMERP e Neuropsicóloga na Clínica Ciranda, afirma que o uso das telas pelas crianças pode parecer benéfico num primeiro momento, mas o excesso pode prejudicar o desenvolvimento e habilidades sociais. “Ao analisar, é possível ver a ansiedade em primeiro lugar”, afirmou sobre os impactos do uso de telas ainda no desenvolvimento das crianças. “Se não existe um bom funcionamento executivo, não existe o desenvolvimento de uma série de habilidades que vão ser requeridas depois.”

Para além da ansiedade, Jamily também vê o controle emocional sendo afetado, prejudicando funções como o planejamento da fala, controle inibitório de compra e diversos outros aspectos essenciais para a vida adulta “Uma coisa puxa a outra”, relata.

Para entender o vício que o uso do celular pode causar, a neuropsicóloga explica o circuito de recompensa, que ajuda a entender por que o uso de celulares é tão atrativo para os menores e maiores de 18 anos: “Se você come uma comida gostosa, isso ativa seu sistema de recompensa e você recebe um banho aí de dopamina. ‘Pós banho’, você vai querer aquilo de novo. Então, a probabilidade de repetir aquele comportamento vai ser grande”. Com os aplicativos de entretenimento, a situação é a mesma, porém em escala muito maior: “Os jogos e redes sociais de maneira geral, são muito desenhados para descarregar dopamina de uma forma muito fácil, muito rápida, com padrões muito similares”, conta.

Uso de celulares nas escolas

Em janeiro deste ano, foi sancionada a lei que proíbe a utilização de celulares e tablets em colégios públicos e particulares. O uso deixou de ser permitido nas salas de aula e durante os intervalos, com exceção de momentos nos quais professores autorizem o uso para fins pedagógicos.

Com a nova regulação, a intenção é diminuir as distrações dos alunos, combater o cyberbullying e diminuir os impactos negativos que o excesso de telas podem causar, como a ansiedade, distúrbios de sono e dependência digital.

A coordenadora pedagógica da escola particular Colégio Global, Marianna Cenni, acredita que o grande problema por trás do uso de celulares na instituição de ensino era a perda de foco. “Para você entender uma explicação, você tem que estar conectado com aquele assunto, prestando atenção. Com o celular, um barulhinho tirava o foco da aula”, relata.

Com a implementação dessa lei, a neuropsicóloga analisa os possíveis impactos e consequências: “uma vez que a criança não vai ter acesso ao celular, vai acabar socializando mais com pares, coisas nesse sentido… A gente vai ter, muito provavelmente, uma margem maior de um aumento de concentração.”

Apesar do lado positivo atraente, alguns contras também foram mencionados pela psicóloga, já que a proibição pode não ser a real solução para resolver os problemas que o excesso provoca há muito tempo. “É preciso educar e criar futuros cidadãos digitais. Como é possível treinar alguém para lidar com os estímulos digitais fora dessa escola se a proibição tira a oportunidade de aprendizagem dele?”, questiona Jamily.

Acesso de redes sociais + Cyberbullying

Com o fácil acesso às redes sociais desde a infância, a dinâmica de interações das crianças também muda. De acordo com a pesquisa TIC Kids Online, realizada em 2024, 60% das crianças de 9 a 10 anos que têm acesso a internet no Brasil possuem contas em redes sociais. O ambiente virtual abre espaços para novas maneiras de se socializar, mas ao mesmo tempo pode abrir caminhos que incitem comportamentos nocivos, como o cyberbullying.

Devido ao anonimato das redes, muitas vezes as plataformas são encaradas de maneira diferente pelos usuários, que se sentem livres para proferir ofensas e xingamentos, sob a impressão de uma proteção no mundo real.

Essa forma de violência digital pode prejudicar severamente o desenvolvimento das crianças, uma vez que pode passar despercebido aos olhares dos pais e responsáveis. Diferentemente do bullying tradicional, que pode ocorrer por meio de ofensas verbais, violência física ou psicológica ou isolação da criança, o cyberbullying se manifesta nos ambientes virtuais, atingindo a vítima dentro da escola, mas também na vida privada.

Os impactos do cyberbullying podem perdurar por muito mais tempo do que apenas os momentos de agressão, uma vez que a autoestima e a maturidade das crianças ainda estão em processo de formação. Quando expostas a críticas severas e humilhações online, a autopercepção e a confiança são extremamente abaladas, o que pode levar à ansiedade, depressão, transtornos de compulsão e impactar o desempenho acadêmico.

Apesar do ambiente online parecer bastante perigoso, a proibição não é uma solução para resolver esses problemas, de acordo com a psicóloga. “A gente precisa educar e criar futuros cidadãos digitais. Se a gente quer treinar, por exemplo, a função executiva, a gente não pode simplesmente evitar os celulares, Como eu treino um adolescente para lidar com os estímulos digitais fora dessa escola se eu estou simplesmente aniquilando aquilo, se eu tô tirando a oportunidade de aprendizagem dele?”, questiona Jamily.

A sociedade, atualmente, já é um ambiente digital e, para a psicóloga, é preciso educar ao invés de proibir. “Partindo disso, eu penso que deveriam ser tomadas iniciativas, se for pra falar de celular na escola, que justamente abordem esses assuntos de uma forma crítica e didática e que foquem em treinar o controle e a criticidade por parte dos jovens, para que eles saibam como usar”, ela conclui.

Créditos da capa: Pexels / Ron Lach
Editado por Lucas Gines

Autores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima