Cultura da pejotização e fluxo CLT no Brasil: como esferas tão diferentes disputam espaço no mercado de trabalho?

Cultura da pejotização e fluxo CLT no Brasil: como esferas tão diferentes disputam espaço no mercado de trabalho?

As disputas entre diferentes meios de trabalho são o estopim para o replanejamento das leis trabalhistas e os vínculos empregatícios

Texto por Maíra Couto

Na quarta-feira do dia 7 de maio de 2025, a fim de defender a competência da justiça para julgar ações trabalhistas, manifestantes se reuniram no Fórum Trabalhista da Barra Funda em São Paulo, capital. Além disso, a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal STF, de suspender ações sobre a pejotização – o ato de contratar trabalhadores na forma de pessoa jurídica – foi extremamente criticada.  O movimento, que contou com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), do Instituto dos Advogados de São Paulo (ASP), da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP) e da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Segunda Região (AMATRA-2), também teve ações em outras cidades do país.

Em pauta, o presidente do TRT da 2ª Região, Valdir Florindo, expressou a opinião pessoal: “Isso sempre existiu. O que há de novo, e é muito preocupante, é a tentativa de dissimular, pela chamada pejotização, verdadeiros vínculos de emprego, negando direitos sociais sobre argumentos de uma supressão da modernização das gerações de trabalho”, afirmou ao site Agência Brasil.

VÍDEO Advogados Trabalhistas protestando contra as medidas de Gilmar Mendes

PJ X CLT: as vantagens e desvantagens das contratações

A cultura da pejotização, na qual profissionais são contratados na forma de pessoa jurídica (PJ), e o fluxo CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), que assegura os direitos dos trabalhadores registrados segundo a Lei, estão disputando espaço no mercado de trabalho devido a diferentes fatores. Enquanto a pejotização defende uma maior flexibilidade para o empregado e uma grande redução de custos para o empregador, o CLT prevê a coleta de impostos (INSS, FGTS, IRRF e etc.), gerando diversos descontos tanto para o empregador, quanto para o funcionário – mas, ao mesmo tempo, proporcionando mais estabilidade e segurança para ambas as partes. A disputa entre os dois modelos de contratação se intensifica com a discussão sobre a legitimidade da pejotização e as alterações na legislação que podem impactar o mercado de trabalho.

Para compreender o que de fato tem causado esta “concorrência”, é necessário procurar entender os prós e contras de cada método. Primeiro, é preciso pensar na pejotização: ao contratar uma pessoa que atua sob um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), pode-se manter basicamente as mesmas características de um trabalho formal, mas sem a necessidade de um vínculo empregatício inflexível e os descontos salariais que acompanham a CLT. Quando um prestador de serviços atua como Pessoa Jurídica, não há uma relação de dever ou exclusividade entre funcionário e empresa, mas pode-se estabelecer um contrato onde são acordadas certas condições de remuneração, auxílios salariais, prazos, entre outros fatores para que este seja um acordo benéfico entre ambas as partes.

Entretanto, vale lembrar que essa flexibilidade toda tem o seu preço: por não estar vinculado a nenhum método formal de admissão, o empregado está mais suscetível a sofrer uma possível quebra de contrato por parte de seu empregador – como ser demitido sem que se cumpra o aviso prévio de 30 dias. Além disso, como PJ, não é possível usufruir dos benefícios assegurados pela legislação aos trabalhadores brasileiros (como o 13º salário, FGTS, férias remuneradas, seguro-desemprego, entre outros).

Mesmo assim, a modalidade PJ tem ganhado cada vez mais espaço no cenário brasileiro. Um estudo da plataforma Revelo revelou que, no primeiro trimestre de 2020, apenas 7% dos profissionais demonstravam interesse em contratos PJ, no entanto, ao final de 2020, esse índice cresceu para 40%, indicando uma mudança significativa na preferência por esse tipo de contratação. Além disso, dados do Infojobs (plataforma de contratação online) mostram que, em abril de 2024, houve um aumento de 10,93% no número de vagas PJ em comparação com o mesmo período de 2023, totalizando 5.763 anúncios. Esse crescimento gera muitos questionamentos à grande massa que adere à CLT: quando uma pessoa aceita trabalhar como PJ, ela também estaria renunciando a todos os benefícios que vêm com a carteira de trabalho. Sendo assim, por que o número de contratos no Brasil tem aumentado de forma tão significativa?

A resposta para esta pergunta está justamente na palavra “contratos”. Como mencionado anteriormente, ao se realizar uma contratação PJ, é possível que haja a formação de um contrato entre empresa e funcionário para que o acordo se torne benéfico à ambas as partes. Em entrevista exclusiva à Vulpes, Carlos Maurício Batista, executivo de Desenvolvimento e Gestão de Produtos, que atuou durante 25 anos da sua vida como CLT e depois migrou para PJ, acredita que “a CLT não passa de uma falsa segurança”. Segundo o executivo, quando se está em início de carreira, a CLT pode transmitir uma sensação de estabilidade; mas quando a remuneração do trabalhador ultrapassa certo marco financeiro, os diversos descontos sofridos não conseguem mais ser justificados pelos benefícios assegurados pela legislação – tanto para a empresa, quanto para o funcionário. 

Em casos como o retratado acima, o ideal seria a contratação de forma PJ, com um contrato que estipulasse que a remuneração recebida pelo trabalhador seria capaz de suprir praticamente todos os benefícios, em dinheiro, que ele receberia caso tivesse a sua carteira assinada, ao mesmo tempo que o contratante obtivesse uma redução significativa nos custos para admitir e manter o trabalhador. Carlos ainda comentou sobre a experiência que teve trabalhando como PJ e afirmou que o meio de trabalho por carteira assinada: “Só é bom para o sindicato e para o governo”. “É claro, eu tenho um perfil profissional que me permite essa avaliação”, completou.

A popularização dos contratos e a influência nas leis trabalhistas 

Outro ponto de discussão que permeia a pejotização é a nova declaração que o ministro Gilmar Mendes deu no dia 14 de abril deste ano, na qual foi determinada a suspensão de todos os processos que discutem na justiça a contratação de trabalhador que atua como pessoa jurídica para a prestação de serviços. A pejotização, que permite com que uma pessoa física atue como empresa, principalmente em setores como o de delivery, venda de imóveis, advocacia, artes, saúde e tecnologia, será analisada pelos ministros do plenário com relação à validade desses contratos, à competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de suposta fraude e à definição de quem deve apresentar a veracidade, ou não, da contratação: o trabalhador ou o contratante.

Após o julgamento – que ainda não tem uma data prevista – o STF deverá avaliar quais contratos são efetivamente válidos para dados setores, ou se eles configuram alguma espécie de fraude na relação trabalhista. Para complementar essa questão, Gilmar Mendes ainda disse ser “fundamental abordar a controvérsia de maneira ampla, considerando todas as modalidades de contratação civil/comercial”, uma vez que o Supremo vem sendo “sobrecarregado com inúmeras ações que alegam o descumprimento de decisões da Corte sobre essas relações”, segundo o portal g1.

Alterando um pouco a perspectiva, também é possível observar um aumento no número de pessoas com carteira assinada no Brasil nestes últimos anos. De acordo com dados do Novo Caged, entre janeiro e outubro do ano passado, o país criou 2,1 milhões de novos postos formais de trabalho. No acumulado do ano passado, o saldo foi de 1,69 milhão de vagas – um crescimento de 16,5% em relação a 2023. Também, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua revelou que, no quarto trimestre de 2024, o número de empregados com carteira assinada atingiu 39,2 milhões, um aumento de 3,3% em relação ao quarto trimestre do ano anterior. Em fevereiro de 2025, a porcentagem de brasileiros com carteira de trabalho assinada atingiu um novo recorde, com 432 mil empregos formais criados. Esse número representa 40,5% a mais do que o mesmo mês em 2024. O estoque total de pessoas com vínculo formal chegou a 47,78 milhões, um aumento de 0,91% em relação ao mês anterior.

Apesar de ser um processo de contratação burocrático – devido à quantidade exacerbada de documentos requeridos para a formalização – e mais inflexível que o anterior em muitos aspectos, muitos cidadãos e empresas ainda optam pelo regime CLT.

Ao possuir uma carteira de trabalho assinada, o trabalhador possui a garantia de uma remuneração fixa, direito ao 13º salário, saque de FGTS se necessário, férias remuneradas, seguro-desemprego, multa rescisória, entre outros benefícios. Entretanto, como mencionado anteriormente, apesar de todos estes auxílios, há a obrigatoriedade entre patrão e funcionário de cumprir com uma carga horária, entrar e sair no mesmo horário todos os dias (muitas vezes, utiliza-se o sistema ponto para isso), tolerância máxima de atraso de 10 minutos por dia (conforme previsto pelo artigo 58 da Consolidação das Leis do Trabalho) e o dever de pagar inúmeros impostos.

A partir da discussão dos moldes de trabalho exigidos pelo vínculo CLT, a questão das escalas de trabalho se tornou um assunto relevante no ano passado após a proposta feita pela deputada Erika Hilton sobre a famigerada 6×1. Nesta escala, é estipulada a regra de que o trabalhador deve trabalhar durante seis dias na semana, tendo direito a uma folga dentro deste período – diferente da 5×2, por exemplo, onde são trabalhados cinco dias corridos com direito a dois de folga (normalmente sábado e domingo).

Conforme a Lei, o trabalhador não deve trabalhar mais de 44 horas semanais (oito horas por dia) e deve ter um descanso de pelo menos 24 horas – preferencialmente aos domingos. Quando não é possível que essa folga seja aplicada aos domingos, entra a escala 6×1, na qual  a carga horária é organizada de maneira que todos os funcionários da empresa folguem pelo menos um domingo no mês. Há casos em que se torna necessário “dobrar o turno” (ir além das oito horas diárias preestabelecidas), e vale lembrar que, a cada oito horas trabalhadas, o funcionário possui direito a 11 horas de descanso ininterruptas.

Quando esta regra não é respeitada, o funcionário deve receber por suas horas extras trabalhadas. Entretanto, não é sempre que estas regras são respeitadas.

Em conversa com a Revista Vulpes, Maia Marquesã, ex-vendedora e ex-funcionária de shopping, pôde contar um pouco de sua experiência no varejo, ao trabalhar em uma loja adepta à 6×1. “A 6×1 só é boa para a empresa. Na grande maioria dos casos, o funcionário se vê preso a um regime trabalhista desgastante, com uma carga horária exaustiva, recebendo um salário que mal paga as contas da casa”, disse. A ex-vendedora também comentou sobre a cultura do varejo que estimula o trabalhador a fazer mais de 44 horas semanais para “bater meta”. “Isso é desumano. Como você pode querer que uma pessoa que já trabalha em uma escala cansativa se force além do seu limite e renuncie ao seu descanso semanal?”, opinou.

Escala de trabalho: é possível ser mais produtivo trabalhando em uma carga horária menor?

O maior debate dentro deste tema é a relação do tempo de descanso, direitos trabalhistas e o impacto na produtividade. Quando se trabalha durante tantos dias na semana, dificuldades começam a surgir – como equilibrar a saúde física e mental, conciliar a vida pessoal com a profissional, não se permitir ser “derrotado” pelo desgaste físico gerado e limitar a vida e o lazer. Ao mesmo tempo que, para os negócios de uma empresa, possuir uma equipe integralmente presente e que possibilite o funcionamento do estabelecimento durante os sete dias da semana seja necessário, também deve-se pensar nos resultados obtidos pela mesma.  Muitos gestores e líderes de RH acreditam que a possibilidade de uma carga horária reduzida, na qual o funcionário tenha maior acesso a tempo de descanso e lazer, somada a uma política de saúde mental dentro das empresas são elementos fundamentais para que resultados ainda mais satisfatórios sejam atingidos. 

Ao olhar para o cenário internacional, em países como os Estados Unidos ou Canadá, as empresas operam de forma com que o trabalho aos finais de semana seja opcional.

“Entre os anos de 2023 e 2024, eu pude ter a experiência de viver fora. Morei no Canadá durante um ano. Lá, eu tinha amigos que trabalhavam em empregos que, aqui no Brasil, provavelmente seriam adeptos da 6×1. Entretanto, a diferença era justamente essa – eles não precisavam trabalhar durante seis dias em uma semana para poder folgar um. Muito pelo contrário!”, contou Maia sobre as experiências que teve.

Em depoimento, a ex-vendedora deu dois exemplos: um de uma amiga que trabalhava em uma loja de sapatos chamada “Browns”, no shopping Southcentre, e outro de um amigo que era estoquista na Cotsco – rede de armazém e mercado muito popular na  América do Norte.

“Em ambos os casos, existia uma semelhança que me chamou muito a atenção: estes meus amigos trabalhavam aos finais de semana, mas nunca durante a semana em si. Era uma escolha deles. Trabalhavam aos finais de semana, ganhando a mais por isso e cobrindo o posto de alguém que trabalha somente durante a semana. Este meu amigo que trabalhava na Cotsco ganhava em torno de 20 dólares (canadenses) por hora para trabalhar oito horas por dia às sextas, sábados e domingos. E, para ele, funcionava.” contou

A escala 6×1 não é uma condição exclusiva do Brasil. Ela existe praticamente ao redor do mundo, mas, ao comparar com as grandes potências mundiais, nota-se que ela não é tão naturalizada quanto no Brasil.

Tendo todos estes fatores em mente, a deputada Érika Hilton (PSOL-SP) apresentou em 2024 uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), na qual o maior objetivo é a revisão das regras relacionadas à 6×1 – especialmente no que diz respeito ao limite atual de 44 horas semanais.

Este ano, a PEC continua em pauta e, apesar de ser uma defensora da escala de trabalho 4×3 (totalizando quatro dias trabalhados e três de folga), a deputada admite que a PEC teria surgido com o objetivo de negociar um “meio termo” com a 5×2, segundo o jornal O Globo. 

Em suma, o debate gira em torno de como conciliar a necessidade das empresas por flexibilidade com o direito dos trabalhadores a um descanso mais adequado. Mudanças na jornada de trabalho podem impactar diretamente o salário e os direitos trabalhistas, influenciando o cálculo de remunerações, como horas extras e adicionais noturnos.

Essas alterações também podem ter reflexos financeiros tanto para os trabalhadores quanto para as empresas, ao depender das negociações coletivas em cada setor. Para aquelas que adotam a escala 6×1, eventuais mudanças nas regras exigiriam adaptações, como a contratação de novos funcionários para cobrir folgas ou o aumento do pagamento de horas extras.

Por outro lado, proporcionar melhores condições de trabalho pode resultar em maior produtividade e na redução de custos relacionados a afastamentos ou à alta rotatividade. Um ambiente de trabalho saudável, com escalas bem estruturadas, tende a favorecer a eficiência e até impulsionar a geração de emprego. A flexibilidade do modelo 6×1, quando bem aplicada, permite às empresas otimizar sua força de trabalho e adaptar-se com maior agilidade às exigências do mercado.

Tendo esta situação em vista, também pode-se relacionar a imposição das escalas de trabalho semanais com a maior procura por vagas PJ no Brasil. Ao tratar-se de uma Pessoa Jurídica, existe uma flexibilidade maior para que acordos com o contratante sejam estipulados no que diz respeito ao acordo de horários e dias de trabalho.

Alexandre Brito, gestor de vendas e desenvolvedor de negócios que atuou durante 20 anos da sua carreira como CLT e sete como PJ, acredita que, a pessoa física que atua como empresa possui direito e autonomia para decidir os seus dias de trabalho e a forma como as suas horas serão distribuídas ao longo do mês, desde que o contratante também concorde com tais condições. “O importante é entregar o produto final”, diz.

“A empresa que contrata uma pessoa jurídica não quer saber se você está trabalhando aos finais de semana ou não. Ela não quer saber quantas horas você trabalhou em cada dia. Se eu quiser trabalhar uma hora por dia, e se o meu contrato assim me permitir, e ainda entregar um trabalho bem feito, dentro do prazo, significa que eu já cumpri com as minhas obrigações”, afirma.

Editado por Guilherme Brasil Abude e Mariana Lumy

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