Como a não aprovação do retorno do horário de verão reflete no favorecimento de setores da economia brasileira

Como a não aprovação do retorno do horário de verão reflete no favorecimento de setores da economia brasileira

Descartada no dia 16 de outubro, a medida impacta a economia brasileira, sem deixar de lado seu motivo primordial: a economia de luz

Texto por Maria Júlia Blanes

VALE A PENA VER DE NOVO: OS MOTIVOS QUE LEVARAM À RETIRADA DO HORÁRIO DE VERÃO NO BRASIL

No ano de 2019, com a gestão de Jair Bolsonaro, uma das medidas retiradas do país foi o horário de verão. Essa medida, antes apenas presente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, deixou de existir após o Ministério de Minas e Energia apontar que o consumo energético da população havia mudado cotidianamente: além do aumento de seu uso durante a tarde, a regulação do horário de sono da população prejudicava a produtividade.

De acordo com dados postados no site do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), quando a medida ainda existia, a pesquisadora Lúcia Rotenberg afirmou que: “Enquanto o organismo não se ajusta completamente ao novo horário, as pessoas se sentem mais irritadas e mal humoradas, com sensação de cansaço e sono durante o dia”. Por isso, já não era justificável, para a gestão da época, o adiantamento dos relógios em uma hora. “As conclusões foram coincidentes: questão de economia, o horário de pico era mais pra 15h, então não tinha mais a razão de ser [da permanência do horário], não economizava mais energia; e na área de saúde, mesmo sendo uma hora apenas, mexia com o relógio biológico das pessoas” discursou o presidente da época no ano em que assumiu o mandato, 2019.

Aplicada a partir de 3 de outubro de 1931, no Governo de Getúlio Vargas, a medida entrava em vigor no Brasil, mas não ocorria todos os anos. O cronograma que conhecemos atualmente passou a valer em 1985, com José Sarney no cargo de presidente da República, 54 anos após a implementação.

No entanto, em 2024, diante das diversas queimadas desenfreadas em estados como São Paulo e Minas Gerais, a mudança climática abrupta deixou evidente que a crise hídrica atingiria não só a corrida para tentar controlar o avanço do fogo, como também medidas para lidar com a demanda nas usinas hidrelétricas. As ocorrências fizeram com que o retorno do horário de verão fosse considerado uma das possíveis medidas eficazes.

Usina Hidrelétrica – by Istock

POR QUE O HORÁRIO DE VERÃO? OS MOTIVOS PARA UMA MEDIDA QUE ALTERA TODAS AS ESTRUTURAS DO PAÍS

Adiantar os relógios em uma hora pode parecer uma tarefa muito simples e não ser responsável por mudanças no arranjo brasileiro. No entanto, a mudança de horário faz com que seja necessária a adaptação de todo um cenário que já está acostumado com a exata rotina em que vive. Mudar o funcionamento desse sistema, consiste não apenas em esperar a adequação do corpo humano ao novo relógio, mas também abrange diversas questões que, além de biológicas, podem ser sociais. Torcer para que a classe das companhias aéreas consigam estruturar seus planos de voo dentro e fora do território brasileiro, por exemplo. Apesar disso, existem também motivos para celebrar o aproveitamento do entardecer mais lento dos dias quentes. Setores como o turismo e o comércio de bares de restaurantes, podem comemorar uma maior frequência de pessoas – que saem de seus empregos enquanto o dia ainda está claro – em seus estabelecimentos, as quais decidem aproveitar o crepúsculo que antecipa o anoitecer.

Em nota divulgada pelo próprio site, a Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA) é a favor do retorno da medida. “Estudos apontam que a adoção do horário de verão pode resultar em uma elevação entre 15% e 20% no faturamento dos estabelecimentos. Isso ocorre porque a extensão do horário de luz natural proporciona um ambiente mais convidativo para os clientes, incentivando a frequência em bares e restaurantes, especialmente durante os meses mais quentes.” divulgou a federação no dia 9 de outubro.

Entretanto, muito ainda se questiona os motivos para a volta do horário de verão. Por mais que as especulações sobre o bom aproveitamento de outras fontes energéticas no Brasil tenham certo fundo de veracidade, o horário de verão ainda pode ser a solução para um problema recorrente em muitas cidades: a crise hídrica.

Advinda da falta de chuva e da má distribuição de água, a situação brasileira poderá piorar ainda mais em alguns anos. Divulgados pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), os dados mostram que, apenas em 2024, 55% do território nacional está comprometido devido à estiagem e, dos 4,6 milhões de quilômetros quadrados afetados, as regiões Centro-Oeste e Sudeste, além da Amazônia estão incluídas. O Rio Paraná, por exemplo, será fortemente afetado por ser fonte primária das grandes usinas hidrelétricas. Abrangendo tanto as regiões Sudeste quanto Centro-Oeste, ele é fundamental para a maior usina brasileira,  Itaipu. No entanto, a Bacia Paraná não será a única afetada, a Agência Nacional de Água e Saneamento Básico (ANA) especula a diminuição de 40% das bacias hidrográficas até 2040.

Mas, ainda assim, como o horário de verão entra nessa história? Devido ao baixo índice de água nos reservatórios, a cada ano, a energia elétrica, que é muito utilizada no Brasil, começa a ser comprometida. O horário de verão chega como uma solução mais próxima de economizar um pouco da energia em alguns estados. No entanto, a simples mudança de relógio pode gerar muitos conflitos entre interesses fundamentais.

A FAVOR OU CONTRA; COMO OS DIFERENTES SETORES DA ECONOMIA BRASILEIRA SÃO AFETADOS NO HORÁRIO DE VERÃO

Entre os prós e contras da aprovação da medida, as diferentes esferas econômicas entram em discussão sobre as suas vantagens ou desvantagens quanto à mudança de horário. Os setores primário e terciário são os protagonistas nesse debate e no levantamento de dados, que comprovem as alterações feitas em seus cenários.

Em entrevista à Revista Vulpes, o administrador público Dalton Crusciano, que leciona na Universidade Católica de Brasília, comentou que não existe uma resposta simples em torno da interferência na economia do país. “Tristemente eu não tenho como dar uma resposta, como ‘A economia será impactada em tantos por cento’. Eu consigo te indicar quais setores serão mais afetados e menos afetados”. De acordo com o administrador, durante a pandemia, as indústrias pararam de consumir energia elétrica, o que fez com que o índice de água em reservatórios aumentasse. Porém, em 2022, já havia indícios que esse mesmo índice começaria a descer depois da retomada natural da produção.

“E aí a questão é: eu espero 2025 e aposto que a chuva virá? Corro os riscos de subir muito a taxa de energia elétrica? Aí sim vai ter um impacto na economia muito maior ou então eu causo um transtorno para alguns setores e um benefício para outros, mas coloco o horário de verão?”, complementa Dalton.

Por mais difícil que seja ter uma resposta da intercessão econômica, algumas previsões podem ser tomadas baseadas no modo de produção de cada setor.

Avião decolando em aeroporto – by Istock

OS REAIS IMPACTOS:

No setor primário, a agricultura não sofrerá grandes prejuízos no horário de verão. Devido ao aumento da mecanização no campo, as colheitas independem das mudanças das horas. No entanto, a pecuária pode arcar com uma baixa de produtividade dos animais do campo que também sofrem com a mudança no relógio biológico. “De repente você vai começar a tirar leite uma hora antes […] quando o Sol está quase raiando. Assim como [horário de verão] influencia nosso ciclo biológico, também influencia o dos animais. Então se espera uma redução eventual na produção de leite, por exemplo.”, explica o administrador público.

Já no setor terciário, a prestação de serviços pode ser beneficiada com o aumento de clientes e fregueses em bares e restaurantes, que curtem o happy hour quando ainda não escureceu. Porém algumas empresas podem ser atormentadas, como as Companhias Aéreas que sofrem com o remanejamento de voos tanto nacionais quanto internacionais. “Eles praticamente já estão montados, e já venderam até janeiro, fevereiro, março do ano que vem” explica a agente de viagens Cinthia Marcolin sobre o impacto nos voos. “O horário de verão complica por que muda até a tripulação, por isso eles pedem para avisar com antecedência\”, completa a agente. Ainda que as companhias aéreas e as agências de turismo estejam, de certa forma, conectadas, Cinthia explica que já é comum trabalhar esperando por cancelamentos de operações e voos nesse ramo.

 A operadora ainda apresenta uma queixa da falta de investimento no excursionismo dentro do território nacional. “Falta mais infraestrutura, hotelaria e segurança. Acho que eles precisam mexer em tudo isso para tentar melhorar o turismo brasileiro”.

TERCEIRA TEMPORADA: A NÃO APROVAÇÃO PODERIA REFLETIR UM NOVO MODELO ECONÔMICO E IDEOLÓGICO DO GOVERNO PRESIDENCIAL? 

Por mais que, após o consentimento para o horário de verão acontecer, as interferências nos âmbitos econômicos pudessem gerar atmosferas tensas entre o atual governo e o congresso, a não aprovação também explicita uma escolha de favorecer um lado da economia que é moldado para ser o pilar brasileiro.

Depois de anos defendendo e dando as mãos para idealistas que visavam o favorecimento do bem estar ambiental nacional, o popularmente chamado “Lula III” parece ter uma nova forma de pensar a economia no país. Diante de 50 senadores e 324 deputados federais que compõem a chamada “bancada ruralista”, os interesses do atual presidente podem, muitas vezes, não se alinhar com as decisões dessa maioria. No entanto, depois de anos reivindicando direitos que privilegiassem a classe minoritária, o governante aparenta temer as próprias decisões que não beneficiam a grande parte votante.

O horário de verão pode atuar como um grande inimigo para uma pequena parte do setor econômico, mas também como uma possível maneira de lidar com as mudanças climáticas inesperadas que preparam para uma queda na defesa do meio ambiente brasileiro.

Foto da capa: Cidade em dia de sol – por Pixabay
EDIÇÃO POR LUCAS CARDAMONE E LUCAS GINES

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