Como a ascensão da extrema-direita impacta a dinâmica geopolítica global
A volta do extremismo político é a mais nova tendência na ordem da geopolítica no mundo
Por: Guilherme Brasil Abude, Lucas Pinheiro Cancian e Rodrigo de Souza Nogueira
O extremismo do âmbito político e a ascensão da camada radical da direita não são tópicos novos de discussão. O que os traz à tona novamente é a retomada dessa tendência, apesar da crescente democracia ultraliberalista que seguiu o término da Guerra Fria. Após todos os acontecimentos polêmicos que andaram de mãos dadas com a extrema-direita no século XX, era difícil defender que sua popularidade voltaria em qualquer futuro próximo, mas – como diz o ditado – a história tende a se repetir.
No geral, há um padrão histórico de comportamento social que antecede a ascensão de ambos extremismos, de esquerda e direita: crises econômicas e desaprovação do governo vigente. Em uma frase, governos extremos nascem em momentos instáveis e quando a estabilidade está escassa no cenário geopolítico contemporâneo, ou aliás, nunca sequer foi alcançada.
A Europa, por exemplo, é o epicentro desta instabilidade. A saída do Reino Unido da União Europeia (UE), a sexta maior economia do mundo, foi o primeiro grande baque sofrido na história próxima do Velho Continente. O Brexit – como o êxodo britânico ficou conhecido – iniciou em 2017, porém só foi efetivado 3 anos depois, quando outro golpe árduo atingiu a comunidade europeia: a pandemia. Por fim, a invasão russa no território ucraniano ocasionou em sanções para o continente europeu e gerou um aumento exponencial no gasto com defesas e importações. Entretanto, as raízes desse caos econômico são mais profundas e refletem ao início deste século.
A crise imobiliária de 2008 ocasionou em uma das maiores recessões dos tempos modernos e atingiu alguns países de forma bastante árdua, principalmente os englobados pela pejorativa sigla PIIGS (em inglês, “porcos”, referia-se a Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha como nações que “sujavam” a economia europeia), que já enfrentavam uma crise de econômica na época. Em todos esses governos, foram adotadas reformas diminuição dos gastos públicos, com o objetivo de manter o neoliberalismo, como exigido pela União Europeia e Fundo Monetário Internacional (FMI), para voltar a estancar a economia de seus determinados países.
No caso da Itália – cujo déficit financeiro perdura há décadas – as consequências foram especialmente cruéis mesmo com as medidas. O PIB teve uma queda de 5,5% em 2009 e a dívida externa, por volta dos 107% em 2007, subiu para 120% em 2010. As políticas de redução de gastos públicos não obtiveram sucesso, visto que a dívida pública se estabilizou por volta dos 135% nos anos seguintes. Desde então, os italianos elegeram governantes de frentes variadas, mas nenhum capaz de contornar o maior empecilho econômico da nação.
Com a pandemia, a Itália foi pega de surpresa pela de repente alta com os gastos públicos e a diminuição rápida de algumas das principais formas de renda do país. Como consequência, o índice de dívida pública em relação ao PIB atingiu o seu ápice de 155% em 2020. Após décadas de governos incapazes de reerguer a economia a um patamar digno, os italianos recorreram a um viés político de extremo conservadorismo não visto desde o fim da Segunda Guerra Mundial, personificado na figura da primeira-ministra Giorgia Meloni.
Meloni é a primeira mulher a ocupar o cargo, porém não é essa a conquista que a tornou famosa, e sim o seu estranho alinhamento com o fascismo. Adotando um velho lema controverso. “Deus, pátria e família”, uma adaptação do slogan da época fascista, a política faz campanha contra os direitos LGBT e contra a imigração. A primeira-ministra é a líder do Fratelli d’Italia (“Irmãos da Itália”) – partido sucessor de uma aliança neofascista formada após a Segunda Guerra Mundial – com fortes semelhanças políticas com o governo Mussolini. Meloni tem enfrentado uma pressão árdua para se distanciar do antigo ditador e afirma ser “contra qualquer forma de totalitarismo”, ao passo em que recusa a se rotular como “antifascista”.
A Itália não é a única sociedade clássica europeia a seguir uma enorme recessão econômica com um governo de ultradireita. Na realidade, a semelhança das situações econômicas entre os gregos e os italianos, desde 2008, são tão próximas quanto suas posições geográficas. A Grécia foi o país mais arduamente atingido pela crise financeira do início do século XXI. O governo grego tentou abafar os reais valores das dívidas públicas, o que só piorou a situação. Em 2010, foi necessário o pedido de empréstimo de 100.000 milhões de euros ao FMI e, no ano seguinte, a dívida pública atingiu o seu auge no valor de 495,1 bilhões de dólares, ou aproximadamente 194% do PIB, a maior de toda a Zona do Euro. O baque se tornou ainda mais humilhante após a Grécia se tornar o único país a ser rebaixado da categoria de desenvolvido para emergente.

Mapa do mar Jônico – Reprodução por Wikimedia
Em primeira instância, os gregos seguiram a tendência global e elegeram um líder de esquerda, Alexis Tsipras. Todavia, para o jornalista político Yannis Androulidakis: “As esperanças da esquerda foram despedaçadas em toda a Europa, mas a decepção foi ainda mais brutal na Grécia. O governo de Alexis Tsipras não resolveu nenhum dos problemas fundamentais da sociedade grega e, pior ainda, enviou a mensagem de que não devemos esperar nada da esquerda.”
A renúncia de Tsipras somente 8 meses depois de assumir o cargo foi um forte golpe contra a esquerda grega. Desde 2009, a Grécia já presenciava o ressurgimento exponencial da extrema-direita, com destaque para o Golden Dawn – um partido neonazista e ultranacionalista de direita – que chegou a assumir o cargo de terceira maior organização política do país antes de ser forçado a se dissolver em 2020 após um julgamento por “atividade criminosa”. Apesar disso, a ideologia de direita radical permanece ganhando força na nação. Hoje, a Nova Democracia, principal partido de direita grego, ocupa mais da metade das cadeiras no parlamento helénico, enquanto a oposição tem somente 10%.
Os partidos de esquerda argumentam não terem recursos para combater seus opositores e tampouco oportunidade midiática para mobilizar a população. Nas palavras de Christos Papagiannis, diretor da Eteron, um instituto de pesquisa e mudança social grego, a esquerda “não tem espaço o suficiente na mídia” e “qualquer ideia alternativa não é tolerada pelos partidos de direita”. A jornalista francesa, Angélique Kourounis, expressou sua preocupação com a sociedade grega frente a essa nova perspectiva: “A sociedade grega não está ciente dos perigos que estão por vir. A ascensão da extrema direita está acontecendo sob o radar. O principal problema das pessoas é querer fazer os fins pelos meios”.
Saindo da Grécia e indo diretamente para a Europa Central, em especial, à Hungria, a situação presente no país é análoga com relação aos seus vizinhos do Velho Continente. Viktor Orbán, líder do partido de extrema-direita Fidesz e primeiro-ministro do país desde 2010, deu as caras na política húngara em 1988, quando exigiu que as tropas soviéticas se retirassem do território húngaro durante a cerimônia de morte do ex-primeiro-ministro magiar, Imre Nagy. Desde então, Orbán tem sido uma figura controversa quando se trata do fragmento recente da história política da Hungria.
Diante de um contexto húngaro, no qual há a falta de tradição democrática, uma frustração dos cidadãos perante ao advento do regime democrático, os erros dos governos anteriores e, por fim, o medo da ausência de liderança, Orbán viu a sua ascensão se tornar realidade. Com um discurso marcado por pautas anti-migratórias, conservação dos valores cristãos em relação à ideologia de gênero e, por fim, o controle da comunicação de mídia, o atual primeiro-ministro húngaro vem conduzindo seu país com seu conservadorismo e suas políticas radicais, como a construção de uma cerca na fronteira do sul em 2015 após a crise migratória que ocorreu na Europa e a repressão de instituições democráticas húngaras, sendo esse último fator, o alicerce para grandes críticas feitas por parte de líderes políticos da União Europeia a Orbán.
Sendo um dos símbolos da atual extrema-direita, Viktor vê com entusiasmo o crescimento da ideologia extremista da direita, ainda mais após a eleição de Trump, que, sob sua ótica, foi um elemento de mudança no mundo e marcou o fim de uma era. “Ontem diziam que éramos passado, hoje toda a gente vê que somos o futuro”, diz o primeiro-ministro húngaro que completou com “O tornado Trump mudou o mundo em apenas algumas semanas… ontem éramos hereges, hoje somos a tendência dominante”.
Fora do contexto europeu, outro país em que a extrema direita vem causando uma certa polêmica é El Salvador, comandada por Nayib Bukele. O atual presidente, de origem palestina, iniciou seu governo em 2019, sendo eleito democraticamente com 53% dos votos ganhos, dando fim a era bipartidária entre a Aliança Republicana Nacionalista (ARENA) e a Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN). Sua campanha na época foi marcada por uma forte influência das redes sociais, com um discurso contra a violência e a corrupção.
Durante vinte anos, o ARENA governou o país (1989-2009), destacando-se pelos esforços de estabilização econômica e a implementação de políticas neoliberais, tentando amenizar os estragos da guerra civil, que começou em 1979 e se encerrou em meados de 1992. O começo do governo de Alfredo Cristiani – primeiro governante do partido – foi marcado por uma série de privatizações e reformas neoliberais, impondo medidas de estabilização econômica. Com isso, gerou um vasto aumento na desigualdade do país. Tendo em vista o contexto de um pós-guerra civil e as novas políticas neoliberais, boa parte da população ficou sem emprego, sem educação e infraestrutura, já que eram dependentes das ações do estado para se manterem.
Em contrapartida, a classe média alta acabou conseguindo mais recursos para aumentar seu patrimônio. Chegando ao final de seu mandato, em 1992, Cristiani selou o Acordo de Paz, no qual deu fim aos conflitos. Uma das medidas do acordo era devolver territórios dominados pela elite, para o estado. No entanto, houve muita resistência por parte da classe média alta da população, o que gerou problemas para devolver as terras onde ex-combatentes e camponeses viviam, ocasionando na precariedade aos que esperavam dessa reforma uma resposta às suas preocupações. Além disso, o acordo levou muitos salvadorenhos a migrarem para os Estados Unidos, em busca de melhores condições de vida. Na época, essa mudança gerou uma das principais fontes de renda do país, sendo aplicada até atualmente no governo de Bukele.
O tempo passou e a desigualdade apenas cresceu. Aliado a ela, a criminalidade também foi muito elevada. Contudo, durante os anos do governo do ARENA, surgiu a famosa gangue Maras, originada com os fugitivos da guerra civil, desafiando a política e a população. Tendo em vista a alta demanda de salvadorenhos indo aos Estados Unidos, o governo americano endureceu as leis migratórias, dificultando a ida de milhares de pessoas para o país. Sendo assim, muitos membros das gangues retornaram a El Salvador e ocuparam regiões, conseguindo extorquir moradores e recrutar jovens.
Diferentes governos tentaram impor medidas para lidar com os Maras, que incluíram desde repressão militar até tentativas de negociação. O governo de Francisco Flores (1999-2004), lançou uma campanha de tolerância zero contra as Maras, chamados de “Plan Mano Dura”, o plano era aumentar e fortalecer as prisões, além de aumentar a pena para os presos. Entretanto, o que era para enfraquecer as gangues, acabou com o efeito inverso, as prisões se tornaram centro de recrutamento para as organizações criminosas.
Após Flores, nenhum outro governante conseguiu estancar a violência no país, até a entrada de Nayib Bukele, que colocava a culpa do crescimento dos grupos criminosos no governo. Segundo ele, a gestão da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN) estava totalmente ligada à criminalidade, fazendo acordos secretos com as gangues e financiando-os de forma indireta.
Bukele conseguiu atingir um feito histórico: transformou o país com a maior porcentagem de homicídio por 100.000 habitantes no hemisfério ocidental (106,3%) na nação com a menor taxa de toda a América Latina (1,9%). Não obstante, a sua blitzkrieg contra as gangues – principais fontes de violência em El Salvador – ajudou a diminuir a incidência de crimes na nação e torná-la a mais segura da América Central. O motivo disso é a construção da maior prisão da América Latina, algo que Francisco Flores planejou fazer em 1999 e não conseguiu. No entanto, o atual presidente salvadorenho ainda é contestado pela condição da penitenciária, por muitos considerados inocentes estarem presos e pelo tratamento que viola os direitos humanos.
Nos dias de hoje, Bukele sofre acusações de ditador por meio das mídias secundárias. Isso porque o governante praticamente contém o poder absoluto do país, por ter a seu favor suporte de outros poderes estatais, inclusive contando com a aprovação de magistrados que viabilizaram sua reeleição, mesmo sendo inconstitucional. No entanto, por meio de suas ações, ainda o poder público está ao seu lado. Sua reeleição foi na margem dos 85% dos votos válidos da população salvadorenha, mas também conta com a ausência de oposição. Apesar das medidas controversas, parte dos cidadãos enxergam suas políticas como um caminho necessário para restaurar a origem e o crescimento econômico, enquanto a comunidade internacional se divide entre elogios pela segurança e preocupações pelo autoritarismo crescente.
As crises econômicas e humanitárias estão se somando para inclinar o cenário político global cada vez mais rumo à extrema-direita. O radicalismo está crescendo como resposta ao desgaste dos governos de centro e esquerda, assumindo a forma de golpes civis-militares na África Subsaariana e no leste Asiático; e Estados cada vez mais isolados do mundo exterior. Até mesmo países com profunda tradição esquerdista estão enfrentando esta nova perspectiva. Os partidos de ultradireita na Alemanha e França – que não vê um líder dessa afiliação no poder desde a Revolução Francesa – terminaram na segunda colocação nas eleições mais recentes. A nova dinâmica geopolítica global deve ser marcada pelo egocentrismo político, baseado em governantes cada vez mais totalitários. As alianças mundiais em larga escala como há na contemporaneidade tendem a enfraquecer para dar lugar a uniões menores, como Rússia, Irã e China, por exemplo.
O contexto atual da geopolítica não é sem precedentes e sim uma possível versão atualizada de divisão global já vista em 1914 e 1939. O significado dessa tendência está na escalada de tensões em todo o globo, com implicações inimagináveis.