A revolução literária da FUVEST

Entenda como a mudança de rumo da lista de leituras obrigatórias do vestibular da FUVEST gera debate no mundo acadêmico

Texto por Maria Clara Dias, Mariana Lumy e Rodrigo Bonini

Em novembro de 2023, a FUVEST decidiu virar a página. A fundação responsável pelo vestibular da USP, um dos mais tradicionais dentro das grandes universidades, anunciou que a partir de 2026 a lista de leituras obrigatórias será composta apenas por escritoras mulheres. Apesar da mudança ter como objetivo o incentivo à diversidade e o aumento do repertório dos candidatos, ela tem gerado debate entre alunos, professores e acadêmicos.

Essa nova lista, repleta de escritoras, traz uma tentativa da fundação em valorizar a contribuição cultural das autoras mulheres, que por muito tempo foram marginalizadas e negligenciadas no mundo da literatura. Isso não apenas diversifica o repertório literário dos candidatos, mas também amplia a visão cultural e intelectual oferecidas pela Fuvest. Através dessa mudança, os estudantes têm a oportunidade de conhecer novas leituras, temas e experiências que podem não ter sido representadas nas listas anteriores.

De acordo com a professora de comunicação e expressão Andrea Funchal Lens, essa mudança não apenas diversifica o repertório literário dos candidatos, mas também amplia a visão cultural e intelectual oferecidas pela FUVEST. Andréa ressaltou também que a inclusão dessas escritoras traz uma perspectiva enriquecedora, reforçando a importância de dar voz a quem historicamente teve menos espaço na literatura.

Mesmo com o argumento de diversidade e de uma reparação histórica pelo reposicionamento feminino na literatura, algumas pessoas vêem um lado negativo em tornar a lista de leituras com uma presença 100% feminina. Um dos argumentos apresentados por aqueles que são contra essas reformas é de que a predominância de mulheres na lista do vestibular não apenas poderia levar à exclusão de outros grupos minoritários, mas também deixar de fora clássicos como Machado de Assis, Carlos Drummond e Mário de Andrade, que trouxeram importantes contribuições para a cultura brasileira e inspiraram diversos outros artistas.

Essa dupla interpretação tem levado a uma grande repercussão, tanto entre os estudantes quanto os acadêmicos, relacionada a efetividade da inclusão por meio das listas obrigatórias, e sobre o que pode ou não ser caracterizado como literatura, e portanto mereceria ser analisado de forma teórica.

Andréa Lens esclarece que, embora a USP seja conhecida por valorizar os cânones literários, há departamentos que já exploram uma perspectiva mais abrangente, como os Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa.

“Esse departamento, ao contrário do Departamento de Teoria Literária e do Departamento de Literatura Brasileira, é um local que trabalha com a literatura que eles mesmos intitulam como literatura marginal”, afirmou. Andréa explica que a perspectiva adotada é sempre referente aos grupos marginais, seja na literatura africana quanto na portuguesa.

Mas quem conhece o vestibular da FUVEST como um dos mais tradicionais do país, não percebe que a escolha ousada da USP em ampliar o escopo das leituras nos vestibulares já era algo planejado e que está de acordo com mudanças observadas nas outras principais provas acadêmicas do país. Gustavo Monaco, Diretor executivo da FUVEST, em entrevista para o Guia do Estudante em 2022, quando as mudanças ainda não haviam sido formalizadas, explicou que, para ele, a lista de livros não reflete a realidade por completo. ”Não estou dizendo que as obras clássicas não devam ser cobradas, mas ainda temos poucas autoras […] já existe uma discussão dentro da Fuvest para fazer um redirecionamento nesse sentido.”

A professora Natasha Neves comenta sobre a necessidade de atualizar-se ao novo, trazendo como comparação a prova da Unicamp. Ao contrário da abordagem tradicional da USP, a faculdade de Campinas já havia incluído Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras mulheres negras do Brasil a publicar um livro, na lista de 2019; o álbum “Sobrevivendo No Inferno” do Racionais MCs em 2018 e uma seleção de músicas do cantor Cartola para 2023 e 2024.

Essas grandes mudanças trazem alguns impactos, principalmente entre alunos de cursinhos e Ensino Médio. Aqueles que buscam ser aprovados nas graduações mais concorridas, como medicina ou nas engenharias, além daqueles que atualmente estão no segundo ano do Ensino Médio e que, em 2026 prestarão o vestibular da FUVEST com a nova lista obrigatória são os mais afetados.

Helena Diz, estudante da turma Medicina do Curso Poliedro, destacou alguns aspectos positivos dessas mudanças. Ela acredita que, além de beneficiar as próprias autoras selecionadas, a mudança traz destaque também às escritoras em geral, que podem ser incentivadas devido ao maior destaque das temáticas femininas abordadas. “Não é possível viver em uma sociedade onde todos sempre buscam mudanças, mas ainda assim mantêm uma lista de leituras conservadora” disse.

Já Pedro Mauro, aluno do 2º Ano do Ensino Médio no Colégio Salgueiro, participa de aulas de cursinho pré-vestibular que a escola oferece para alunos que apresentam destaque acadêmico e entende a mudança da literatura no vestibular como necessária.

Ambos questionam o papel da literatura na atualidade, trazendo à tona o debate da substituição dos livros, e buscando entender o motivo dessa mudança. “Por que, hoje em dia, não podem ter novos clássicos? Se eles estão cobrando esses livros é porque eles acham que daqui algum tempo ele será importante ou ele está sendo importante agora, no nosso momento”, afirmou. Ele também reconhece o valor dos clássicos, ressaltando também que as obras contemporâneas conseguem prender a atenção dos leitores de forma mais imediata.

Diante disso, a professora Natasha Neves enfatiza a necessidade de oferecer aos candidatos leituras que refletem na diversidade da sociedade, trazendo obras variadas e que dialoguem com a realidade dos jovens. “Hoje, enfrentamos grandes desafios com as redes sociais e a falta de interesse pela leitura. Mudar esse cenário exige a introdução de leituras que sejam diversificadas e que mostram diferentes perspectivas”, explicou.

Ela ainda diz sobre a importância dos jovens se identificarem com as obras que leem, sejam elas relacionadas à questão LGBTQIAPN +, à experiência feminina, à vivência de pessoas negras, ou outras. “As listas de leituras dos vestibulares precisam refletir essa diversidade, permitindo que os jovens se vejam representados e possam se conectar com a literatura de uma forma mais profunda”.

Como um adolescente que dedica muito tempo às redes sociais, Pedro conta que já conhece algumas das obras da nova lista não pelos livros físicos, mas por vídeos no Youtube e resenhas em canais literários. Como estudante, ele passa grande tempo buscando formatos digitais para complementar os estudos e já conhece algumas autoras da nova lista da FUVEST, como Raquel de Queiroz. Ele menciona: “Um dia eu vi algum canal no YouTube comentando sobre ela e falando que ela era boa e que os livros dela valem muito a pena…”. Ele completa: “Se você tirar um livro da lista obrigatória, ele não deixa de ser um clássico, ele não deixa de ser importante, então você deve colocar obras novas também”.

A FUVEST, como vestibular tradicional, ainda tem espaço para evoluir na diversificação de suas provas e a mudança da lista não pode ser definida apenas como a inclusão de uma nova minoria que foi pouco abordada. A abertura significa também uma nova geração de Clássicos Literários que se adequam ao contemporâneo e às pautas atuais necessitadas de pensamento crítico do jovem.

Créditos da capa: Pixabay

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