Crimes, mistérios e entretenimento: A ascensão do true crime

Crimes, mistérios e entretenimento: A ascensão do true crime

Assassinatos, vítimas e investigações estão se tornando o enredo de muitos filmes, séries, documentários, livros e podcasts que falam sobre crimes reais.

Texto por: Beatriz Felizardo e Maria Clara Marques

O true crime, com tradução literal de “crime real” ou “crime verdadeiro”, é um gênero não ficcional e de entretenimento, que tem como tema retratar fatos verídicos em diferentes formatos. Do audiovisual à literatura, eles são explorados em tramas policiais e investigativas, documentários ou dramatizações.

História do true crime

Os casos criminais tiveram suas primeiras publicações entre os anos de 1550 e 1700, inicialmente de forma literária, quando os britânicos produziram diversas obras sobre casos reais. Nesse período, essas publicações eram mais folhetins e panfletos do que um gênero, detalhando os assassinatos de forma sensacionalista. Com o avanço da tecnologia e a expansão da alfabetização, esses panfletos ganharam popularidade, mas ainda não eram nomeados como conhecemos atualmente. 

O gênero começou a se consolidar mais tarde, com a propagação da ficção policial e o fascínio do público por enigmas de casos reais, que seriam posteriormente moldados pelos avanços científicos e investigativos. 

A década de 60 foi um grande marco dessa ascensão com, por exemplo, Jacinto Figueira Jr., um dos pioneiros do jornalismo policial na televisão brasileira e conhecido por “O Homem de Sapato Branco”.

A televisão brasileira alimentava-se do true crime com programas como Linha Direta, com estreia em 1990, que obteve imenso sucesso, mas também chegou a ser criticado pela elucidação dos casos. Outros programas, como “Cidade Alerta” (Record TV), “Balanço Geral” (Record TV) e “Brasil Urgente” (Band), também se destacaram ao relatar casos criminais, com uma grande audiência diária. 

A série CSI: Crime Scene Investigation que estreou nos Estados Unidos em 2000 e contou com 15 temporadas foi amplamente consumida, assim, gerou grande visibilidade ao gênero. Mesclando a investigação policial com a ciência forense e mostrando a rotina de profissionais em busca da resolução de determinados crimes, a série se inspirou em diversos crimes reais. Há como exemplo o episódio Felonious Monk, da 2ª temporada, que faz referência ao assalto a um templo budista no Arizona, que resultou em nove mortes. Em 1991, dois adolescentes invadiram o local com o intuito de roubar, mas, no meio do percurso resolveram iniciar a matança. 

FOTO: Sabrina Schwitzer

A nova onda de true crime

O “novo” não é o true crime propriamente dito, mas o modo de abordagem e a mobilização social que este pode gerar, inclusive, fazendo as pessoas se sentirem investigadoras, as tornando mais exigentes nos conteúdos e movidas pela curiosidade de resolução de um caso. Segundo o psicólogo Manoel Vinicius Caldas, o movimento cultural e a importância das histórias para a construção de pessoas explica uma parte da fascinação do crime. “Eu diria que o true crime tem a ver com uma nova forma de contar essas histórias, que vão desenhando o sujeito”, relata o psicólogo.

As produções relatam histórias reais a partir de provas, análises e depoimentos dos envolvidos no caso. O true crime não é exatamente uma obra baseada em fatos reais, mas sim a interpretação dos registros documentais sobre o crime em questão.

As plataformas de streaming 

O catálogo das plataformas de streaming estão se expandindo cada vez mais. Aplicativos como Netflix, Amazon Prime, HBO e Youtube, proporcionam uma variedade de séries, filmes e documentários que abordam assassinatos reais, alguns assassinos presentes são:

  • Elize Matsunaga: Era uma vez um crime (Netflix)
  • Suzane Von Richthofen: A menina que matou os pais – A confissão (Amazon Prime)
  • Daniella Perez: Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez(HBO)
  • Jeffrey Dahmer: Um canibal americano (Netflix)
  • O caso dos Irmãos Menendez (Netflix)
  • O Maníaco do Parque (Amazon Prime)

O aumento do interesse pelo true crime nos últimos anos

De acordo com o portal Parrot Analytics, de janeiro de 2018 a março de 2021, as séries documentais cresceram 63%, sendo o true crime o que mais cresceu entre todos. A plataforma de áudio mais utilizada no mundo, o Spotify, afirmou que houve um aumento de 56% no consumo de podcasts no ano de 2020. A empresa relatou que as categorias nas quais o true crime se encaixa são: podcast, notícias e política, estando entre as três mais ouvidas do mundo no país. No Brasil, a proporção é semelhante, comparando o primeiro semestre de 2021 e o de 2022, quando houve um aumento de 52% no consumo de programas em áudio sobre o gênero.

Ricardo Salada, perito criminal desde 1993 concedeu uma entrevista à Revista Vulpes e falou sobre o true crime. Ao ser questionado, Ricardo diz que existe uma necessidade mórbida do ser humano de ver o que acontece e presenciar situações de crimes. “O trabalho policial sempre foi assim ‘um clube do bolinha’, mais um grupo fechado onde muitas coisas que aconteciam não eram passadas para a população. Então, eu acho que acabava desenvolvendo uma curiosidade natural das pessoas”, alega o perito.

Mulheres e true crime

O true crime pode ser um tipo de obra consumida pelos que não temem a exposição detalhada dos crimes cometidos. Contrariando o estereótipo que afirma enxergar o sexo feminino como medroso e frágil, a maior parte de consumidores de séries criminais são as mulheres.

Segundo a pesquisa realizada pela Civic Science, 12% dos homens que nasceram nos Estados Unidos consomem o gênero criminal, enquanto isso, 26% das mulheres que têm a mesma nacionalidade assistem esse conteúdo. Tendências apontam que o dado se repete em outros países. 

Em entrevista à Revista Marie Claire, a youtuber Jaqueline Guerreiro, dona do maior canal sobre true crime no Brasil, disse que 87% do seu público são mulheres. \”Acredito que esse interesse vai além da curiosidade, porque quando a gente tem um caso que a vítima é mulher, inevitavelmente pensamos que poderia ser eu, minha mãe, irmã ou amiga. Ser mulher é estar em alerta o tempo todo. Eu sinto que saber dos detalhes é também quase um mecanismo de defesa, de você aprender o que não fazer para que isso aconteça comigo\”, opina a influenciadora.

De acordo com o estudo feito nos Estados Unidos por Amanda M. Vicary e R. Chris Fraley no artigo “Capturado pelo Crime Verdadeiro: Porque as mulheres são atraídas por histórias de violações, assassinos e assassinos em série?”, mulheres veem esse conteúdo como uma forma de defesa e de aprendizado para evitar situações futuras.

O futuro do true crime

O perito Ricardo Salada acredita que o aumento do conteúdo de true crime não é uma tendência passageira, mas sim uma reflexão da sociedade que busca confrontar uma realidade muitas vezes escondida. “O true crime é a exposição dessa realidade. As pessoas querem ver essa realidade, embora seja duro, cruel.”, ele diz

Esse realmente não é o fim para o true crime, isso é perceptível ao nos deparar com a quantidade de obras que estão em produções como:  “Praia dos Ossos”(HBO), que retrata o assasinato de Ângela Diniz nos anos 1970 e “Tremembé” (Prime Video), inspirada nas histórias do presídio que recebeu Elize Matsunaga e Suzane von Richtofen. 

Foto da capa disponível em Pexels
Editado por: Lucas Cardamone e Mariana Lumy

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