Feriados religiosos em um país laico

Feriados religiosos em um país laico

A herança católica no calendário nacional

Texto por Beatriz Felizardo 

O Brasil é, oficialmente, um Estado laico – ou seja, sem religião oficial e alinhado com a imparcialidade religiosa nas instituições públicas. Mesmo assim, o país ainda interrompe suas atividades para celebrar datas específicas e que fazem parte do calendário nacional, como o Corpus Christi, a Sexta-feira Santa e o Dia de Nossa Senhora Aparecida. Esse cenário é fruto de um processo histórico em que religião e Estado caminharam lado a lado durante séculos.

A influência começou lá em 1500, quando os portugueses chegaram, celebraram a primeira missa e iniciaram o processo de evangelização dos povos originários no Brasil. Ao longo da colonização, o catolicismo tornou-se a religião oficial, moldando costumes, leis e o calendário social. 

Segundo Pierre de Souza Grangeiro, professor de história e especialista em arte e educação, “os feriados religiosos foram integrados ao calendário por meio de leis estaduais e municipais”. Mesmo que a Constituição de 1891 tenha instituído a separação formal entre Igreja e Estado, a herança católica permanece viva, até nas folgas oficiais. 

Paradoxo da laicidade

O paradoxo da laicidade no Brasil se evidencia justamente na distância entre as leis preestabelecidas e a realidade: mesmo que a Constituição Brasileira garanta essa separação, na prática, essa neutralidade está só no papel. Para Elianildo da Silva Nascimento, advogado, militante de direitos humanos e coordenador executivo do Comitê Distrital de Diversidades Religiosa (CDDR), “o  fato de ter na letra legal, seja na Constituição e outras normas, o estabelecimento da laicidade, por si só não garante sua real efetividade”.

Com uma vasta trajetória pela defesa da diversidade religiosa e pela atuação em políticas públicas desde 2004, Elianildo reforça que a laicidade precisa ser constantemente reafirmada para que não se torne somente algo simbólico. “A laicidade vem ser um objetivo a ser permanentemente consolidado”, afirma. Segundo ele, o Estado brasileiro ainda carrega resquícios da ideia de ter uma única fé, pensamento que reflete em práticas institucionais que acabam excluindo ou silenciando  outras crenças, mesmo sem uma intenção explícita. 

Impactos sociais e culturais 

A sociedade brasileira é repleta de uma diversidade religiosa do catolicismo até as religiões de matriz africana. Essa pluralidade é uma das características principais do país. A predominância de valores cristãos nas decisões políticas e nas instituições públicas reforça ainda mais a desigualdade, a invisibilidade e até a exclusão das minorias. Como explica o historiador Pierre: “Isso mostra, de certa maneira, uma certa exclusão das culturas afrodescendentes em relação à religião ‘predominante’, que é a cristã.” Além disso, o aumento das interferências religiosas, em áreas como a educação e os direitos civis, representa uma ameaça à neutralidade do Estado. 

Embora tenham surgido iniciativas desde 2004 com o intuito de promover diversidade religiosa e combater a intolerância – como a criação do Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa (CNRDR) e instituição do Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas Nações do Candomblé, esses avanços sofrem constantes resistências. 

Religião e política: a bancada evangélica

Com o crescimento expressivo das igrejas evangélicas, nos últimos séculos, também se fortaleceu a bancada evangélica no Congresso Nacional. Composta por parlamentares que se identificam especificamente com princípios evangélicos. A bancada tem valores conservadores que batalham pela defesa de pautas sobre a liberdade religiosa e de familiares nos moldes “tradicionais”.

Esse cenário evidencia uma problemática: até dificulta de matérias a neutralidade entre o Estado e os setores religiosos que influenciam políticas públicas e decisões legislativas. 

Créditos da capa: – Pixabay 
Editado por Guilherme Brasil e Lucas Cardamone

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