Como a evasão nas escolas compromete o avanço da educação brasileira

Como a evasão nas escolas compromete o avanço da educação brasileira

 A falta de investimento é o início para as rupturas no ensino do país e leva a dificuldade de jovens na entrada do mercado de trabalho 

Texto por Maju Blanes e Guilherme Brasil Abude

Em janeiro de 2024, a lei 14.818 proposta pela deputada federal Tábata Amaral e assinada pelo atual presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, foi o estopim para o início de um programa de incentivo para os alunos da rede pública a continuarem os estudos no Ensino Médio através de um auxílio financeiro. O programa intitulado “Pé-de-Meia” surgiu de uma forma mais direta para diminuir a evasão escolar entre jovens que desistem do ensino básico para ascender socialmente através do mercado de trabalho. No entanto, apesar do trabalho surgir muitas vezes como uma necessidade, a falta de uma conclusão escolar pode levar a dificuldades no avanço da trajetória de muitas pessoas dentro do mercado empregatício.

De acordo com a Associação Brasileira de Estágios (Abres), uma pesquisa feita em 2023 revelou que 44,8% dos jovens entre 18 e 24 anos não frequentam o mercado de trabalho e não concluíram o ensino médio. Apenas 21,6% desse núcleo frequenta o ensino superior. Para uma melhor trajetória dentro do mundo corporativo, a graduação e o ensino básico são considerados os maiores aliados de um jovem adulto. O mercado ainda é conservador,  o que exige de muitos a especialização necessária para a escalada dentro do mundo corporativo. 

A educação brasileira é a maior responsável pelo incentivo e preparação dos jovens que, um dia, caminharão para a vida adulta, repleta de desafios, e para o mundo laboral. Ela é base para a construção de um pensamento lógico e crítico, para a disciplina e para o desenvolvimento dos alunos brasileiros. Mas o que é possível ver no atual cenário educativo nacional?

Escolas brasileiras: O desafio da falta de estrutura no ensino público

O investimento do Estado em educação vem em um momento crítico para o Brasil. Segundo dados do G1 de 2023, cerca de nove milhões de cidadãos entre a faixa etária de 18 aos 29 anos não possuem o ensino médio completo. Além disso, a esfera educacional foi bastante comprometida durante a pandemia da covid-19 e ainda caminha com pequenos passos para se recuperar. Como o ensino público atinge as parcelas mais carentes da população, o trabalho se tornou uma prioridade, transformando a educação em um luxo ao invés de um direito.

Menina chorando e sendo consolado por professor em sala de aula – Créditos: Agência Brasil

Com o objetivo evitar essa evasão compulsória e difundir o aprendizado, o Pé-de-Meia visa financiar cada etapa de conclusão do ensino médio, beneficiando financeiramente o aluno que atingir certas metas, como a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), e uma quantia fixa para a permanência na escola. Os valores estão em torno dos 3.400 reais anuais, totalizando mais de 9.000 reais para a conclusão do ensino médio.Entretanto, ao entrevistar um professor de colégios públicos e privados e que pediu para que sua identidade não fosse divulgada, o profissional apontou algumas observações diante da utilização desse benefício, implicando que os alunos não são bem instruídos sob a forma de como utilizar essa quantia.

“Quando ele [o aluno] sai do ensino médio com esses 3.200 reais, o que ele vai fazer? Ele vai comprar um iPhone? Não que ele não tenha o direito de fazer isso, mas ao invés de ele gastar com algo que é supérfluo, ele poderia gastar com algo, investir, ao invés de gastar com algo que fosse é em pró do futuro dele e não para satisfazer ser um desejo de imediato”.

Ele completa:

“Será que todos os alunos que saem da escola pública tem uma visão dessa? Não, não tem. Então, uma disciplina de educação financeira, auxiliaria muito e otimizaria muito a utilização do dinheiro público investido nesse aluno”.

Apesar de ser um tema frequente em discussões parlamentares, a educação financeira ainda está ausente de muitas grades curriculares tanto nas instituições de ensino pública quanto na privada. Segundo o professor, essa seria outra problemática que agrava a situação.

“A maioria dos alunos não têm acesso a essa disciplina, que eu acho fundamental, principalmente focado para educação financeira familiar. Eu acho que deveria ser uma disciplina obrigatória do currículo escolar de educação financeira”.

Notas de dinheiro e moedas expostas em superfície lisa – Créditos: Foto: Pixabay

Não somente, a evasão durante o ensino fundamental é um dos maiores desafios a serem enfrentados na nação. Com um ensino de baixa qualidade e uma parcela da população em situação precária, está cada vez mais difícil manter os estudantes dentro da sala de aula. Essa realidade reflete negativamente no desempenho internacional do país. Com base no Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências (Timss, em inglês), divulgado no dia 4 de dezembro de 2024, o Brasil apresentou um dos piores desempenhos acadêmicos, amargando a 55ª colocação entre 58 países com alunos do 4º ao 8º ano e, de acordo com o jornal Carta Capital, 400.000 crianças e jovens entre 6 a 14 anos saíram das escolas em 2023, sendo 97.1% da esfera pública e o restante da particular.

Vale ressaltar que o projeto Pé-de-Meia inclui somente alunos no ensino médio, o que torna a situação em um verdadeiro paradoxo, já que não abrange os diversos estudantes que sequer terminam o ensino fundamental para estarem aptos ao programa.

Conscientização: o ensino não faz só parte das escolas

Com o aumento da saída de estudantes em toda rede pública, os motivos conseguem ir além da simples falta de investimento por parte do Governo. Durante a conversa com o professor, as dificuldades e desafios enfrentados pelos alunos tiveram mais de um cenário revelado. No primeiro momento, ele comentou sobre a prática do Bullying dentro das escolas, que ainda é muito persistente. “Bullying é uma prática recorrente, infelizmente, e vem crescendo e tomando dimensões nos últimos anos”, revelou o professor. Além da problemática, o auxílio dentro das instituições de ensino pode não ser, muitas vezes, presente e eficaz. “Você não tem psicólogo em todas as escolas, que possa auxiliar, por exemplo, aquele estudante a lidar com esse tipo de situação […] existe um apelo em todas as escolas para que seja trabalhado o sócio emocional. Mas, se você não tem nenhum psicólogo e joga isso nas costas do professor, muitas vezes não tem competência técnica para trabalhar e desenvolver a situação “, completou ele.

Menina chorando em primeiro plano, e ao fundo três garotas rindo e apontando. – Créditos: Agência Brasil

Em 2023, o DataSenado divulgou novas informações sobre a violência sofrida em todas as escolas do país. Cerca de 11% dos 60 milhões de estudantes matriculados tinham vivenciado algum tipo de opressão naquele ano e mais 121 mil casos foram notificados. Não somente, ainda em 2023 a Associação Paulista de Medicina revelou que o número de profissionais em psicologia e serviços sociais disponíveis em escolas brasileiras era inferior a 0,1%.

“Quando você tem um núcleo no qual os pais não têm uma visão clara de que a educação é a forma, dentre todas, mais segura por uma melhoria da qualidade de vida e ascensão social, a educação não faz sentido”.

O educador também afirmou que grande parte dos alunos que não dão continuidade aos estudos não possuem apoio e incentivo familiar dentro de suas casas. Todos esses valores, segundo o profissional, agregam para o desinteresse do cidadão pelo estudo. Tanto uma dinâmica familiar complicada quanto a impaciência da sociedade moderna acarretam na incompatibilidade da relação entre o aluno e a escola. A ausência de uma perspectiva de futuro, mesmo que imediata, contribui negativamente para motivar os estudantes a permanecer nas instituições de ensino. O especialista acredita, ainda assim, que não há somente um culpado pela evasão escolar, mas que todas as partes envolvidas compartilham uma parcela do motivo.

Segundo o IBGE, a diferença de renda impacta fortemente a taxa de evasão escolar. Em 2018, a população pobre correspondia a 11, 8% de evasão, enquanto na população rica esse índice era oito vezes menor, equivalente a 1,4%.

“[…] as gerações anteriores pensavam: ‘meu filho, precisa trabalhar para trazer dinheiro de casa e sustentar a família. Ele sabe ler e escrever, até certo ponto, sai da escola e vai trabalhar.’ O que eu vejo é  que hoje essa questão melhorou em muitos sentidos, só que ainda não está enraizada na sociedade”, disse o professor sobre a realidade enfrentada por muitos alunos.

Além das dificuldades entre a violência e a falta de incentivo nas escolas, o Estado também foi comentado como responsável por um resultado precário no ensino nacional. A falta de investimento é apenas uma das grandes justificativas para o déficit no ensino. Uma pesquisa realizada pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) revelou que até 2040 o Brasil passará por uma escassez de 235 mil professores, o que torna as escolas cada vez mais necessitadas por auxílio de programas que voltem a incentivar a formação de novos mestres.

Cada vez menos professores estão sendo formados. Cada vez mais cedo o professor chega na sala de aula, muitas vezes com pouca experiência. Nesse panorama, nós temos salários extremamente baixos. Então, há professores muito bons, mas que muitas vezes saem da rede pública ou não ingressam na rede pública porque financeiramente não é atrativo”, comentou o educador que demonstrou uma perspectiva diferente. “Essa questão novamente passa pelo governo, passa pela família, passa pelo aluno e chega até o professor”.

“Não estou falando que está certo, mas o professor também é humano […] O Professor é obrigado a sair da profissão que ele escolheu, simplesmente, porque nós temos uma situação social difícil dentro da sala de aula. Por isso que falo é um problema Global”, finalizou ele.

Foto da capa: Sala de aula vazia e iluminada pela luz do sol – Créditos por: Istockphoto
Editado por Lucas Cardamone e Mariana Lumy

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